Mali, Burkina Faso e Níger: Aliança condenada ao fracasso?
5 de dezembro de 2023O Mali, o Burkina Faso e o Níger anunciaram planos para formar uma nova confederação, abandonando o grupo G5 Sahel, mas alguns especialistas afirmam que a medida não vai melhorar a sua situação.
No sábado, os três países, atualmente liderados pelos exércitos que tomaram o poder, retiraram-se oficialmente do G5, um grupo formado para combater os islamistas na região do Sahel.
A região é assolada pelo extremismo islâmico desde 2014. A violência contra civis gerou uma crise humanitária que deixou 24 milhões de pessoas dependentes de ajuda.
O G5 Sahel foi criado no mesmo ano para garantir a segurança da região, contando com o Burkina Faso, o Chade, o Mali, a Mauritânia e o Níger como membros.
O Chade e a Mauritânia ainda fazem parte da força do G5 Sahel, mas a saída do Mali, Burkina Faso e Níger traduz-se praticamente no colapso da aliança.
O Burkina Faso e o Níger, que se juntaram ao Malipara abandonar a aliança, fizeram uma avaliação negativa do G5: "A organização não está a conseguir atingir os seus objetivos. Pior ainda, as ambições legítimas dos nossos países de fazer do G5 Sahel uma zona de segurança e de desenvolvimento são dificultadas por uma burocracia institucional de outros tempos, que nos convence de que o nosso processo de independência e de dignidade não é compatível com a participação no G5 na sua forma atual", afirmam em comunicado.
Nova federação condenada ao fracasso
No entanto, em entrevista à DW, o especialista em segurança Adib Saani diz que a formação de uma nova confederação pelos três países também não tem qualquer hipótese de sucesso.
"Seria muito difícil para a nova confederação alcançar quaisquer resultados, devido ao facto de estes países já estarem sob a pressão de grupos terroristas", afirma.
A chamada Aliança dos Estados do Sahel (AES) entre os três países foi assinada em setembro deste ano, mas Saani não vê sinais de que a nova aliança possa oferecer muito.
"No Mali, o Governo está a lutar em três frentes. No Níger, temos visto o número de ataques a ficar fora de controlo desde a retirada do contingente francês. No Burkina Faso, que, aliás, é o segundo país mais afetado pelo terrorismo, de acordo com o Índice Global de Terrorismo do ano passado, também está a lutar para manter ao pouco território que resta", explica.
"Todos estão a carregar a sua cruz, pelo que é quase improvável que alguém intervenha em nome de alguém. Por isso, não creio que haja algo de significativo, uma vez que já estão todos sobrecarregados", conclui.
Sentimentos anti-Ocidente
Os três países romperam os laços com a França, antiga potência colonial, que desempenhava um papel importante no G5 Sahel.
"O G5 Sahel não pode servir os interesses estrangeiros em detrimento dos nossos povos, e muito menos os ditames de qualquer potência em nome de uma parceria que os trata como crianças, negando a soberania dos nossos povos", afirmaram na sua declaração, numa referência velada à França.
Mutaru Mumuni Muktar, diretor executivo do Centro de Combate ao Extremismo da África Ocidental, não está surpreendido com a postura do Mali, do Burkina Faso e do Níger: "Nos três países há um forte sentimento anti-francês e isso tem vindo a desenvolver-se ao longo do tempo", lembra, em entrevista à DW.
O Níger também pôs termo ao seu acordo de segurança com a Europa, evidenciando as suas relações hostis com o Ocidente e virando-se agora para a Rússia.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros do Níger afirmou numa nota que o seu país decidiu "retirar os privilégios e imunidades concedidos" no âmbito da Missão de Parceria Militar da União Europeia (UE) no Níger.
A parceria foi lançada em fevereiro deste ano, meses antes do recente golpe de Estado, mas com a última medida o Níger afirmou que "não tem qualquer obrigação legal" relacionada com essa parceria.
Muktar considera que o mero ressentimento em relação à França e ao Ocidente não tornará os três países fortes para combater a atual insurreição. Por isso, o especialista tem dúvidas quanto à eficácia da nova aliança.
"Faz sentido [formar uma nova aliança] em termos de proteção dos seus próprios regimes, mas em termos de eficácia desta aliança contra o extremismo violento, ainda não se sabe", afirma.
Falta de capacidade e estrutura
De acordo com a carta que assinaram em setembro, os três países comprometem-se a combater o terrorismo e o crime organizado.
Para Muktar, no entanto, as três nações não têm a capacidade e as infraestruturas necessárias para o fazer: "Não dispõem de financiamento suficiente. Não dispõem de um modelo económico sustentável para poderem lidar com o problema de forma sustentável. Não têm boa vontade suficiente por parte da população local e de outros atores locais para poderem lidar com a situação. Por isso, não vejo até onde é que isto pode ir para lidar com o extremismo violento".
Os três países continuam suspensos do bloco regional CEDEAO e as relações deterioram-se há meses. Saani considera que o restabelecimento das relações com a CEDEAO deveria ser a prioridade dos três países, para poderem aceder ao apoio global necessário para combater a insegurança no Sahel. "A situação só vai piorar, essa é a má notícia, e nenhuma confederação pode parar o que está a acontecer", sublingha.
Cerca de 4,9 milhões de pessoas já foram deslocadas em consequência da atual crise.
Travar os terroristas
A ONU alerta para a necessidade urgente de reforçar o apoio e avançar na luta contra o terrorismo na região.
Os golpes militares também não ajudaram, de acordo com Bram Posthumus, um jornalista que escreve sobre a região do Sahel em África. "Desde que os militares tomaram o poder no Mali, no Burkina Faso e no Níger, a situação de segurança nestes países piorou", diz, em entrevista à DW.
"Os golpes de Estado deram aos adversários, aos grupos armados não estatais, a oportunidade de aumentar a sua influência e o seu alcance nas áreas que controlam", explica.
Saani concorda que as atuais estratégias de segurança desarticuladas na região estão a armar os terroristas: "Não há como negar o facto de que não estamos a conseguir combater as ameaças e é também importante compreender que os terroristas estão a ganhar a guerra".