Mali: Comissão da ONU acusa exército de "crimes de guerra"
22 de dezembro de 2020O exército maliano encabeça a lista das acusações pela comissão, que acredita ter recolhido "motivos razoáveis para acreditar" que este "cometeu crimes de guerra".
De acordo com a AFP, o relatório da ONU identifica, ao pormenor, cerca de 140 casos em que foram cometidos crimes de abuso que provocaram milhares de vítimas - entre mortos, feridos, torturados ou deslocados.
Entre 2012 e 2013, após o golpe de Estado de 2012 - quando os militares malianos tomaram o poder sob a bandeira do combate aos rebeldes independentistas e 'jihadistas' no norte do país -, as forças de segurança foram acusadas de cometer "assassinatos" contra "membros das comunidades tuaregues e árabes".
O relatório remete para os assassinatos de três militares tuaregues em 2 de abril de 2012, de 16 pregadores árabes em 9 de setembro do mesmo ano e de "pelo menos 15" pessoas suspeitas de serem membros de um grupo 'jihadista' em 11 de janeiro de 2013.
O documento acrescenta que após o aparecimento, em 2015, de um grupo 'jihadista' liderado pelo pregador fula Amadou Koufa, os fula do centro do Mali têm sido vítimas de assassinatos cometidos pelas Forças Armadas malianas, que "têm visado cada vez mais membros desta comunidade".
Um destes crimes terá sido cometido durante uma operação conjunta no centro do Mali, realizada entre a força anti-'jihadista' francesa Barkhane e os exércitos de Mali e Burkina Faso, em 2017.
As sevícias
Durante a operação, os soldados malianos deveriam procurar aldeias perto de Mondoro, junto à fronteira com o Burkina Faso. "No dia 2 de maio, por volta das 16:00 (...), várias pessoas, principalmente homens fula, foram presos nas aldeias de Monikani e Douna por militares do Mali", relata.
Após terem sido levados para o campo Sévaré, estes forma "violentamente espancados por soldados malianos com paus, para os forçar a admitir que pertenciam a grupos armados extremistas, ameaçando-os de morte se não confessassem", acrescenta a AFP, que refere que três homens acabaram por morrer nesse local.
A comissão responsabiliza alguns signatários do acordo de paz, incluindo antigos rebeldes do Movimento Nacional de Libertação de Azawad e grupos armados pró-governamentais (Gatia e Plataforma-MAA) de serem responsáveis por "crimes de guerra".
A divulgação do documento acontece quando o país é liderado por militares, que em 18 de agosto derrubaram o então Presidente, Ibrahim Boubacar Keita, e que mantêm o controlo dos principais órgãos de uma transição que pretende levar os civis de volta ao poder em 18 meses.
A comissão da ONU foi criada em janeiro de 2018, com base no acordo de paz de 2015, sendo composta pela sueca Lena Sundh, pelo camaronês Simon Munzu e pelo mauriciano Vinod Boolell, estando encarregada de investigar o período entre 2012 e 2018.
ONU não comenta o relatório
O relatório foi apresentado em junho ao secretário-geral da ONU, António Guterres, que o transmitiu na semana passada aos 15 membros do Conselho de Segurança, de acordo com a AFP.
Contactado pela agência noticiosa francesa, o serviço de comunicações da ONU não comentou o relatório.
A instabilidade que afeta o Mali começou com o golpe de Estado em 2012, quando vários grupos rebeldes e organizações fundamentalistas tomaram o poder do norte do país durante 10 meses.
Os fundamentalistas foram expulsos em 2013 graças a uma intervenção militar internacional liderada pela França, mas extensas áreas do país, sobretudo no norte e no centro, escapam ao controlo estatal e são, na prática, geridas por grupos rebeldes armados.
De acordo com as Nações Unidas, mais de 4.000 pessoas foram mortas em ataques terroristas em 2019 no Mali, Burkina Faso e Níger, tendo o número de pessoas deslocadas aumentado 10 vezes, ficando próximo de um milhão.
Independente desde 1960, o Mali viveu, em 18 de agosto, o quarto golpe militar na sua história, depois dos episódios ocorridos em 1968, 1991 e em 2012.