Lisboa: Manifestação exige liberdade de expressão em Angola
30 de julho de 2015Na capital portuguesa, os manifestantes pacíficos, incluindo representantes da Amnistia Internacional e diversas celebridades do mundo lusófono, exigiam a libertação imediata de todos os presos políticos angolanos, acusados pelo Governo de Luanda de envolvimento numa tentativa de golpe de Estado.
Desta vez, o local de concentração não foi o Consulado de Angola, onde há cerca de duas semanas um pequeno grupo de pessoas lançou os protestos contra a prisão dos 15 jovens ativistas pelo regime de José Eduardo dos Santos.
Por volta das 18 horas de Lisboa, os manifestantes começaram a juntar-se no Largo de São Domingos, no Rossio, até que se compôs o número desejável.
Em cima de um pequeno estrado colocado na praça, cada um dizia de sua justiça. As várias intervenções que se ouviram ao longo de cerca de três horas foram de protesto e de indignação, em que muitos pediram um "basta!" - numa clara condenação ao regime angolano que atenta contra a liberdade de expressão e de opinião.
"Liberdade para todos os presos políticos, já!" foram as palavras de ordem dos manifestantes.
A visão dos cidadãos lusófonos
No Largo, ouviram-se protestos de cidadãos de várias nacionalidades que se solidarizaram com a causa, em defesa dos direitos humanos. "Aqueles que vivem em Portugal no maior dos luxos e que vivem em Portugal beneficiando do 25 de Abril e da liberdade de expressão deveriam lembrar-se que essa liberdade de expressão também tem direito de existir em Angola", sublinhou um cidadão português.
Também estavam presentes no protesto o escritor angolano José Eduardo Agualusa e a cantora angolana Aline Frazão, entre outros do grupo de artistas e demais cidadãos que lançaram um movimento pela libertação dos jovens ativistas presos. Entre estes, a DW África ouviu a opinião da cantora moçambicana Selma Uamusse, que diz conhecer alguns daqueles ativistas.
"Foi fácil chegar à conclusão de que se tratava de uma prisão indevida. Está aqui um grupo de pessoas sem qualquer bandeira partidária. Estou aqui porque defendo os direitos humanos e acredito que todos nós temos uma opinião em relação àquilo que se passa na nossa sociedade," explicou Uamusse.
O angolano Pedro Lopes acredita que esta onda de protestos em vários países prova que os cidadãos não estão de braços cruzados. "Tanto mais que a própria comunidade internacional também já se pronunciou e faz menção de que, o Governo [angolano] liberte os 15 ativistas políticos, e não só. Mas todos quantos se encontram neste momento encarcerados nas cadeias de Angola, em geral, sem qualquer constitucionalismo," considerou.
Críticas ao Governo angolano
João Paulo Batalha, que esteve a representar a Transparência e Integridade, Associação Cívica Portugal, criticou o silêncio do Executivo de Luanda. "O Governo angolano tem estado surdo à voz dos angolanos e daqueles que fora de Angola se manifestam solidariamente com o povo angolano. Tem estado também cego em relação à própria realidade de Angola e cego em relação às consequências de uma cultura de corrupção desenfreada que estão a impôr à economia angolana e sobre o povo angolano," avaliou Batalha.
O representante da Transparência e Integridade disse ainda considerar importante a persistência nas manifestações. "E em fazer ouvir a nossa voz em Angola e fora de Angola, porque a realidade económica e social não vai mudar e o Governo angolano vai ter, mais cedo ou mais tarde, de acordar para esta realidade e ouvir a voz do seu próprio povo".
Durante o apelo para a libertação dos 15 jovens, foram também expressas manifestações contra a corrupção e o abuso do poder e por uma sociedade mais justa, que ofereça melhores condições de vida aos angolanos.
Uma criança angolana disse querer um dia regressar à terra dos seus pais, mas para viver numa Angola melhor, onde haja liberdade, ensino, água potável, em suma: uma melhor distribuição de riqueza.
Repressão em Luanda
Já na capital angolana, onde também estavam previstas manifestações pela libertação dos jovens ativistas presos desde junho passado, o clima foi totalmente diferente.
Segundo o correspondente da DW África em Luanda, Pedro Borralho N’Domba, a organização juvenil do partido no poder em Angola, a Juventude do MPLA (JMPLA), convocou uma contra-manifestação que começou por volta das nove horas da manhã e contava com cerca de 30 participantes, no Largo da Independência. "Havia muita polícia à paisana, controlando os movimentos de todos os que estiveram lá," contou Borralho.
Os manifestantes, também cerca de 30 pessoas, chegaram por volta das 16 horas. Eles entoavam cânticos pela libertação dos jovens ativistas presos: "Libertem os nossos irmãos", "liberdade já!"
Foram, no entanto, impedidos de ocupar o Largo por uma barreira formada por militantes da JMPLA. Líderes do MPLA também estavam presentes no local, como Norberto Garcia, relata o jornalista."A polícia fez uso da guarda canina para correr com os manifestantes," disse.
Vários manifestantes foram detidos. O número ainda não foi confirmado. Segundo o correspondente da DW África, ao tentarem visitar os presos, os seus familiares foram informados de que teriam uma reunião com a direção da unidade prisional ainda nesta quarta-feira (29.07). "Uma atitude que visava impedir que os familiares fossem ao Largo da Independência protestar também," avaliou o jornalista.
De lembrar que o jornalista Gonçalves Vieira, da Rádio Despertar, chegou a ser preso pela manhã – tendo sido posto em liberdade mais tarde.
Pedro Borralho N’Domba considerou ainda ter sido "muito difícil" realizar a cobertura dos acontecimentos na Largo da Independência. Ele disse que, ao chegar no local, acompanhado de outros jornalistas, o primeiro secretário da JMPLA dava uma coletiva de imprensa para mídias como a agência de notícias portuguesa Lusa, a estatal Televisão Pública de Angola (TPA), a Rádio Nacional de Angola (RNA) e a FTP.
"Quando pegamos nossos aparelhos para captar o som e fotografar, surgiram dois polícias à civil que nos interpelaram. Perguntaram quem nos deu autorização de fazer o trabalho de entrevistar e fazer fotos. Mostrei o meu passe, depois deixaram", conta.
Esta quinta-feira (30.07), a Polícia Nacional de Angola veio a público negar ter feito detenções durante a manifestação de ativistas em Luanda, na quarta-feira (29.07), garantindo que apenas "recolheu" jovens, entretanto libertados, por "tentarem alterar a ordem" na cidade. A informação foi prestada à agência Lusa pela porta-voz do Comando Provincial de Luanda daquela força, intendente Engrácia Costa.