Maputo: Míticas salas de cinema deixadas ao abandono
Antigas salas de cinema de Maputo têm histórias que só mesmo a geração da época pode contar. Muitas salas foram construídas no tempo colonial, mas após a independência nunca foram reabilitadas e hoje estão abandonadas.
Cinema Império, "rosto da degradação das salas de cinema"
O cinema Império, localizado no bairro do aeroporto, já movimentou muitos jovens dos bairros suburbanos. Júlio Sitoe, de 48 anos, lembra os filmes chineses lendários dos "mestres do Kung Fu", como Shaolin e Bruce Lee. Hoje, é o símbolo da degradação das salas de cinema em Maputo.
Cinema África, "a catedral das Artes"
Esta sala já esteve sob a égide da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Durante um período, foi concedida à Companhia Nacional de Canto e Dança, que ali exibia as suas criações artísticas. Por fora, tudo parece muito bonito. Mas por dentro - embora não nos tenha sido permitido fotografar -, vemos paredes partidas e escuras, lixo e águas negras. A sala foi fechada para reabilitação.
Cinema Charlot, "o fogo consumiu quase tudo"
Localizada no bairro do Alto-Maé, designada no tempo colonial como cinema "Infante", esta sala ficou conhecida por ter rodado filmes populares produzidos nos anos 70. Os jovens a frequentavam para ver filmes como "Oh! Amigos Meus" ou "Sholay", entre outros, rodados em Maputo nos anos 80. Em 2013, a sala foi alvo de um incêndio.
Cinema dos Continuadores, "centro cultural da UEM"
No centro de Maputo, bem próximo ao Instituto Nacional do Cinema, está a sala que foi cedida à Universidade Eduardo Mondlane (UEM), a maior instituição de ensino superior em Moçambique, para servir de centro cultural universitário. No local, a UEM organiza eventos culturais e académicos.
Cinema Estúdio 222, "de cinema a discoteca e bar"
Esta sala costumava movimentar os jovens que residiam na baixa da capital. Nos anos 80, viam filmes como o musical "O Ritmo da Felicidade". Aqui também foi exibida a produção moçambicana "O tempo dos Leopardos", que retrata a luta pela Independência de Moçambique. Hoje, o "222" já não exibe filmes - foi transformado numa discoteca e bar.
Cinema Matchedje, "Gungu e o teatro"
Bem ao lado do cinema "222" está o Matchedje. Também nos anos 80 esta sala foi muito frequentada e exibiu filmes de Franco Nero e Bud Spencer - os chamados "homens de feijão", como era designada esta dupla. Manuel Rodrigues, aos 50 anos, lembra que em quase todas as salas "era sempre uma guerra" para se conseguir bilhete. Agora, a sala exibe peças teatrais - para alegria dos amantes do teatro.
Cinema Gil Vicente, "Teatro Girassol"
Esta sala localizada na baixa de Maputo é uma das mais antigas da capital. Esteve sob gestão da empresa portuguesa Lusomundo, que chegou a exibir filmes numa altura em que a cultura do cinema em Maputo começava a hibernar. Mas a Lusomundo, que trazia filmes recentes, abandonou o negócio. O município está agora a tentar dar esta sala à gestão do projeto Grupo de Teatro Girassol.
Cinema Olímpia, "albergue para pessoas sem casa"
No bairro de Xipamanine, bem ao lado do mercado de mesmo nome, está a sala que hoje serve de albergue para muitas pessoas sem moradia. É, além do cinema Império, outro rosto da degradação das salas de cinema em Maputo. Também aqui foram exibidos muitos filmes chineses...
Cinema São Miguel, "a casa do povo"
Esta instalação, onde hoje funciona o Parlamento moçambicano, foi outrora o chamado cinema São Miguel. Atualmente, é a casa do povo, onde importantes decisões políticas moçambicanas são debatidas. Marcos Afussen, de 77 anos, residente no bairro do Alto Maé, conta que naquela sala rodou-se o filme da saga de James Bond, no início dos anos 70, o que movimentou a juventude da época.
Cinema Scala, "primeiro cinema sonoro em Moçambique"
Segundo a história, esta sala, também localizada na baixa de Maputo, foi construída em 1931 e foi o primeiro cinema sonoro de Moçambique. Aos domingos, nos anos 80, na sessão designada matiné, rodava-se filmes para adolescentes, como "O Menino do Circo". O senhor Marcos Afussene costumava levar os seus cinco filhos, hoje com mais de 40 anos. Atualmente, o Scala já não roda filmes.
Cinema Xenon, "porta de entrada de todos os filmes"
Até aos anos 90, aqui estava uma das salas mais luxuosas de Maputo. A empresa portuguesa Lusomundo, que também geriu o cinema Gil Vicente, adquiriu o Xenon, mas depois abandonou o negócio. O cinema foi então demolido, em 2014, para dar lugar a um prédio residencial. Acabou, assim, o ciclo das salas de cinema em Moçambique, que deixa muitas lembranças, principalmente para a geração dos anos 70.
As míticas salas de cinema de Maputo deixaram boas histórias, sobretudo de filmes que movimentaram jovens nas tardes de sábado e domingo. São histórias que só mesmo os jovens da época podem contar. Essas salas foram construídas no tempo colonial, mas após a independência nunca foram reabilitadas. Agora, muitas elas estão em completo estado de abandono, enquanto os cineastas do país precisam dela.