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Xenofobia na África do Sul atingiu uma dimensão inaceitável

Joana Rodrigues21 de abril de 2015

Em entrevista à DW África, o escritor moçambicano Mia Couto criticou a onda de violência xenófoba que tem assolado a África do Sul e a passividade das autoridades perante este problema.

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Mosambikanische Autor Mia Couto
Foto: DW/J. Carlos

Mia Couto escreveu uma carta aberta ao Presidente da África do Sul, Jacob Zuma, na qual condenou os atos de xenofobia que têm ocorrido no país. Em entrevista à DW África, o escritor moçambicano declara que a passividade das autoridades sul-africanas é inaceitável, e que esta onda de violência resulta de outros problemas com raízes mais profundas que assolam a sociedade sul-africana.

DW África: Qual é a sua opinião acerca dos ataques xenófobos contra moçambicanos na África do Sul?

Mia Couto: É completamente inaceitável o que está a suceder desde há alguns dias em várias cidades da África do Sul. É um fenómeno recorrente: desde 2008 que este tipo de crimes - temos de chamar as coisas pelos nomes - tem vindo a acontecer. Podemos dizer que há problemas de xenofobia em todo o mundo, mas na África do Sul atingiram uma dimensão e um grau de tolerância e passividade por parte de quem tem que tomar medidas que não é aceitável de maneira nenhuma.

DW África: Quais considera serem as causas para esta onda de xenofobia no país?

MC: Há vários tipos de causas. Há causas mais profundas, como as expectativas que foram criadas depois da libertação da África do Sul e que depois não foram cumpridas, e portanto há todo um segmento de população mais pobre que permaneceu pobre, e é fácil nesse segmento criarem-se bodes expiatórios e a ideia de que os culpados são outros. E há ainda outras razões e situações diversas que confluem para isto, como, por exemplo, as declarações incendiárias feitas pelo Rei, pelo senhor Presidente e por entidades a diversos níveis, que depois ajudaram a criar este clima de violência.

Mia Couto, Schriftsteller
Foto: Ismael Miquidade

DW África: Porque decidiu dirigir uma carta aberta ao Presidente da África do Sul?

MC: A ideia que pretendo transmitir é que os escritores e as pessoas da arte e da cultura de um lado e do outro da fronteira podem fazer alguma pressão e podem criar uma espécie de território onde se faça um contrabalanço e se contrarie esta onda. É importante referir que a maior parte dos africanos é contra esta situação. Há manifestações na África do Sul que são claras e que mostram que a maioria dos sul-africanos também está preocupada e não adere a este tipo de iniciativas de violência.

DW África: Há trabalhadores sul-africanos a serem expulsos de Moçambique e outros a serem impedidos de entrar no país. Acha que esta é a resposta adequada?

MC: Não, mas é aquela que é mais fácil, e isto também tem de ser trabalhado para evitar que haja um clima de retaliação em que se responda com uma violência que é gratuita e que leva a uma escalada de tensões que é de evitar a todo o custo. Não é que Moçambique esteja isento destes fenómenos de xenofobia: nós próprios já os tivemos, mas numa escala completamente localizada e que foi contida de imediato pelas autoridades.

DW África: Muitos moçambicanos consideram que estes ataques revelam um sentimento de ingratidão da parte da África do Sul para com Moçambique. Concorda?

MC: Absolutamente. A História relativamente recente mostra que Moçambique se sacrificou muito pela África do Sul, aliás, foi o país que mais se sacrificou. A economia foi muito afetada, o que foi só por si uma grande tragédia. Moçambique foi atacado e bombardeado, mas nós tínhamos uma alma e uma causa: eram os nossos companheiros, os nossos irmãos. Não é aceitável que as autoridades sul-africanas agora tenham a passividade que têm tido em relação ao que está a acontecer.

DW África: Na sua opinião, o que deve ser feito para pôr fim a estes ataques?

MC: É muito difícil dar uma fórmula para terminar com esta onda de ataques, mas uma das coisas que pode ser feita é uma maior pressão por parte dos moçambicanos, dos zimbabueanos e dos países vizinhos, e principalmente por parte dos próprios sul-africanos. Além disso, é importante que se enfrentem os outros problemas de fundo, que são as carências e a falta de resposta às necessidades básicas das pessoas mais pobres da África do Sul, porque são elas que estão a atacar os seus irmãos mais pobres também. É importante ajudar o país a resolver não só a questão da xenofobia, mas também as outras dificuldades que afetam a sociedade sul-africana, porque tudo isto pode acabar por caminhar para um outro problema de outra dimensão e de outra natureza. Agora é com os estrangeiros, mas pode ser que mais tarde haja outro tipo de convulsões, de instabilidades internas, e que têm a ver com a própria sociedade sul-africana.

[No title]

A arte e a cultura têm um papel importante, e a nossa ideia enquanto escritores moçambicanos é criar laços diretos com os escritores sul-africanos, de maneira a que se perceba que estamos na mesma trincheira, na mesma luta. Ainda podemos converter o negativo em positivo, aprender com estas lições, esquecer esta dor e superar a vergonha pelo que está a acontecer, e transformá-la em algo positivo.

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