Migração ilegal
8 de junho de 2013Os enclaves de Ceuta e Melilla, no noroeste da África, pertencem politicamente à Europa. Para os emigrantes, são uma etapa a ser cumprida. Nestas pequenas cidades existem poucos empregos e se deslocar dos campos de acolhimento até a terra prometida do continente europeu é, pelo menos, tão difícil quanto ultrapassar as cercas de arame farpado da fronteira.
Os dois territórios servem como trampolins para a Europa. Após 2005, com a grande quantidade de migrantes morrendo nas cercas, as fronteiras acabaram sendo guarnecidas com homens armados. Um controle reforçado no caminho e três fileiras de cercas com seis metros de altura são reforços para dificultar e tornar mais longa a migração ilegal.
Para burlar a vigilância
Uma negra fumaça de gasolina e diesel que sai de canos de descarga paira no ar. Em três filas de carros encontram-se sedans usados, veículos pequenos amassados e furgões enferrujados. É preciso paciência para ir de carro do Marrocos para Meililla. De 5 mil a 6 mil veículos chegam por dia à fronteira para serem submetidos a um controle rigoroso.
"Todas as pessoas no veículo desembarcam. Nós podemos verificar com um detector computadorizado se alguém está escondido no carro. Nós ouviríamos o batimento cardíaco da pessoa e faríamos um controle preciso", diz um dos agentes da fronteira, o tenente da "Guardia Civil", Martin Rivera.
Os agentes já encontraram uma pessoa escondida atrás do painel do carro, em um que fora adaptado somente para isto. Rivera explica que, às vezes, as pessoas também se escondem no tanque de gasolina. Nestes casos o motor do carro é abastecido por um pequeno frasco com combustível suficiente para enfrentar a fila de espera para atravessar a fronteira.
Sobretudo marroquinos que moram ou nasceram em Melilla tentam infiltrar amigos ou parentes do outro lado da fronteira. Outros migrantes tentam passar pela forma mais direta, superando um gigantesco obstáculo. A reportagem percorreu a extensão da fronteira em um jipe da "Guardia Civil" espanhola. Foram 10 quilômetros ao longo da cerca de seis metros de altura. Trata-se de uma divisão bem visível entre a África e a Europa.
"Na verdade, são três cercas em uma. A cerca externa está 15 graus inclinada para o lado do Marrocos para dificultar que alguém a escale. A cerca também balança bastante na parte superior. Se alguém conseguir ultrapassá-la, existe uma segunda cerca e um emaranhado de arames atrasa o avanço. O período que a pessoa precisa para ir para a terceira cerca, que dá acesso à Espanha, é tempo suficiente para a guarda intervir e alcançar os imigrantes", diz Rivera.
Devolução
Tecnicamente toda a área de fronteira fica no território espanhol, mas os migrantes são devolvidos por portas de sentido único para o Marrocos, quando capturados nos limites da área de fronteira. Pessoas seminuas tentam pular a cerca e isto dificulta a captura porque os agentes da fronteira não conseguem agarrá-los pelas roupas. "Eles estão sempre procurando novas oportunidades. O deslocamento massivo e também violento em direção a cerca é, de certa forma, uma tática militar também", opina o tenente.
Em 2005, quando ainda havia uma simples cerca, durante as noites, centenas de refugiados corriam da África Subsaariana à fronteira. Chegavam com escadas improvisadas e com o impulso da multidão, muitos conseguiam ultrapassar o obstáculo. Outros eram capturados, espancados e deportados para o Marrocos. Muitos foram também baleados. Dezenas de pessoas morreram em circunstâncias ainda não muito esclarecidas.
"O controle de Marrocos no seu território é o que evita fundamentalmente que invasões como as que ocorreram em 2005 possam acontecer novamente. É preciso a colaboração de Marrocos do outro lado da cerca", diz o agente de fronteira. Mas apesar do muro de proteção de dezenas de milhões de euros e da cooperação com as autoridades marroquinas, a intimidação causada pela cerca é fraca.
As tentativas dos migrantes pularem as barreiras na fronteira ocorrem quase que diariamente, sempre em grandes grupos. Eles esperam que pelo menos alguns consigam passar. Praticamente todo dia algumas pessoas conseguem transpor as cercas e chegar a Melilla.
Os recém chegados
Quem consegue pular seis metros de cerca realmente deixa o continente africano, mas ainda não pode se considerar na Europa. Ambos os enclaves espanhóis de Ceuta e Melilla são para os emigrantes quase como "terra de ninguém". Pelo menos é o que parece para o agente da migração Martín Riveras.
"Eu posso apenas dar a minha opinião pessoal, não posso falar como membro da guarda civil. Eu acho que, em linhas gerais, os que não se sentem integrados aqui ficam satisfeitos com a situação que tem. Não há dúvidas de que chegar a Melilla é um passo, mas eles não querem ficar aqui. Eles querem ter uma vida plena, trabalhando e constituindo família. Em uma cidade de fronteira como Melilla isto não acontece. Para eles, é apenas um passo", diz o agente.
Uma estação de acolhimento acaba servindo o refugiado muitas vezes por mais tempo do que eles imaginaram. Os recém-chegados celebram ter conseguido passar pela cerca. Eles fazem planos, como o somali Mohamed Abdi, que está no CETI, Centro de Estadia Temporária de Imigrantes. "O meu sonho é ser piloto. Eu tive de deixar a universidade porque não tinha dinheiro. Eu gostaria de continuar estudando", diz o homem recém-chegado.
Do outro lado da rua Fiston Pazou balança a cabeça negativamente para aparente ingenuidade dos novos imigrantes. Até os seus vinte e poucos anos, era um eletricista qualificado. Hoje é um imigrante. Ele é originário do Congo e está há 19 meses em Melilla. Não está mais em África, mas também ainda fora da Europa. Pazou recebe o básico para sobreviver, mas não pode nem é autorizado a ter uma vida independente.
"É claro que eu ainda tenho esperança. Eu ainda não estou morto. Possivelmente eles vão me mandar de volta, mas eu não me importo com isto porque eu posso tentar passar a fronteira de novo. Mas se eu conseguir chegar a Europa, então eles também devem me deixar trabalhar para que eu possa enviar dinheiro para casa", afirma Pazou.
Longo processo
Quem consegue chegar a Melilla, e não é imediatamente deportado, é detido em um campo de recepção de refugiados. Localizado na periferia deserta da cidade, entre terrenos baldios, aeroporto e campo de golfe, o lugar tem vista para os dez quilômetros da cerca da fronteira. Conforme o defensor dos direitos dos imigrantes, José Palazon, para aqueles que conseguem transpor a cerca e são registrados no campo existem três formas para chegar ao continente europeu.
"Uma maneira é com um passe. A polícia e o ministério do interior permitem que os migrantes cheguem de balsa à Málaga ou Almería quando eles garantem que de lá vão voltar para seus países de origem. Mas isto logicamente não acontece quando eles chegam à Almería ", explica o especialista.
Grande números dos chamados "sem papéis" chegam deste tipo de acolhimento em Ceuta, Melilla ou algumas das Ilhas Canárias para o continente europeu. Sem documentos válidos eles não têm qualquer direito garantido.
A segunda maneira são os campos de internamento na Espanha - uma espécie de prisão que não é chamada oficialmente desta forma. Este é um recurso porque, como os campos de acolhimento estão sempre lotados em Melilla, os imigrantes são constantemente levados para estes campos no continente.
De acordo com a legislação espanhola, eles podem ser mantidos por até 60 dias no local. Caso não se consiga esclarecer a sua procedência neste período, ao invés de serem mandados de volta para suas casas, eles são liberados do acampamento. A terceira maneira de sair legalmente de Melilla para o continente europeu é uma circunstância muito especial. Somente em situações muito específicas, incluindo razões humanitárias, o governo espanhol concede direito a residência permanente. A quarta possibilidade seria solicitar asilo político, conforme explica José Palazon. Mas isso, na prática, não influencia em nada.
Asilos negados
Um pedido de asilo em Melilla é praticamente a garantia para continuar por aqui por dois anos até que o pedido seja avaliado. E então o pedido deve ser negado. "Praticamente nenhum pedido tem sido aprovado. Havia um homem albino de Uganda que nós assistimos a fazer o pedido de asilo. A perseguição e assassinato de albinos em África são motivos claros de asilo. Mas, depois de dois anos, seu status ainda não estava definido. Em Setembro, ele se escondeu dentro de um caminhão e deixou Melilla. Agora ele está na Suíça. Uma semana depois, veio o aceite de seu pedido. Eu acho que ele foi o único aceito em todo o ano de 2012", explica Palazon.
A cerca aparentemente intransponível, que é constantemente reparada e aperfeiçoada, tornou-se uma atração quase magnética. Quem consegue transpor o obstáculo envia uma mensagem, informando o sucesso para amigos, familiares e vizinhos em sua terra natal e acaba sendo motivo de festa.
Assim, vendo que alguns conseguiram, novos refugiados se sentem estimulados e se preparam para a mesma ação. As próprias forças de segurança marroquinas se preocupam para que a cerca não seja transposta. E o país do norte da África está bastante ciente do seu poder nesta questão.
"Aqui em Melilla, se Marrocos quiser, nada acontece. Antes que os migrantes venham, eles os param. Mas dois dias depois, de repente, temos cem pessoas sobre a cerca porque nenhum agente marroquino estava controlando a fronteira. Assim, Marrocos bate na mesa e diz quem afinal controla a fronteira. Marrocos se faz necessário e assim ganha dinheiro e o que pedir. Eles fazem disso um bazar de negócios", explica Martín Rivera, agente da migração espanhola.