Milhares de pessoas atacam centros de ajuda em Gaza, diz ONU
29 de outubro de 2023Os insistentes apelos, da ONU à União Europeia e países árabes, para cessar-fogo ou trégua humanitária em Gaza continuam a ter como única resposta mais combates no território entre forças israelitas e Hamas, com agravamento das condições no enclave.
A Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinianos (UNRWA) afirmou, este domingo (29.10), que milhares de pessoas invadiram os seus armazéns de ajuda em Gaza para levar alimentos e outros artigos essenciais.
Segundo Thomas White, diretor da agência da ONU em Gaza, esta invasão foi "um sinal preocupante de que a ordem civil está a começar a colapsar", após três semanas de guerra entre Israel e o grupo islamita palestiniano Hamas.
Um total de 24 camiões com ajuda humanitária entraram hoje na Faixa de Gaza através da passagem egípcia de Rafah, o maior comboio humanitário a entrar no enclave desde que Israel permitiu o acesso controlado, segundo a agência EFE.
Transportando alimentos, água e material médico, os camiões chegaram a Gaza depois de esta manhã terem chegado outros 10 camiões, tratando-se da primeira vez que dois contingentes entram no enclave num único dia desde que Israel autorizou a entrada de ajuda humanitária, no passado dia 21.
Este oitavo lote de ajuda não inclui combustível, um item vetado por Israel e considerado pelas autoridades locais fundamental para o funcionamento contínuo de hospitais, padarias e estações de purificação de água.
Entretanto, nas últimas horas, a ligação à Internet e aos telefones foi também restaurada para muitas pessoas. Isto depois de os ataques israelitas terem interrompido a maioria das comunicações no território na noite de sexta-feira. Israel anunciou também, este domingo, novos progressos no restabelecimento parcial do abastecimento de água potável na região.
A UNRWA elevou hoje para 59 o número dos seus trabalhadores mortos na Faixa de Gaza, desde o início do conflito a 7 de outubro.
Cessar-fogo humanitário
O secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, mostrou-se hoje alarmado com a situação "cada vez mais desesperada".
"A situação em Gaza está a tornar-se mais desesperada a cada hora que passa. Lamento que, em vez de uma pausa humanitária extremamente necessária, apoiada pela comunidade internacional, Israel tenha intensificado as suas operações militares", disse Guterres durante uma visita a Katmandu, a capital do Nepal.
Reiterando o seu apelo a um "cessar-fogo humanitário imediato", o secretário-geral da ONU apelou "à entrega de ajuda humanitária sustentada numa escala que satisfaça as necessidades da população" do território palestiniano.
"O mundo está a testemunhar uma catástrofe humanitária que se desenrola diante dos nossos olhos", afirmou.
Também a União Europeia pediu, este domingo, que seja permitida a entrada de ajuda humanitária no enclave "sem obstáculos", incluindo combustível e recursos para a proteção da população afetada pelos bombardeamentos israelitas.
"Mais uma vez, apelo às partes envolvidas que permitam o acesso humanitário sem obstáculos e seguro a Gaza, agora. Isto deve ser ampliado", escreveu o comissário europeu para a Ajuda Humanitária e Gestão de Crises, Janez Lenarcic, na rede social X.
Por sua vez, o Papa Francisco apelou com veemência para um cessar-fogo no conflito entre Israel e o Hamas, pedindo que seja garantido o acesso a ajuda humanitária em Gaza e que os reféns israelitas sejam libertados pelo grupo islamita palestiniano.
Bombardeamentos continuam
"Durante a noite [de sábado para hoje], aumentámos" o número de forças do exército na Faixa de Gaza e estas tropas "juntaram-se às que já lá estão a lutar", declarou o porta-voz do exército israelita Daniel Hagari. "Estamos a aumentar gradualmente as operações terrestres e a extensão das nossas forças na Faixa de Gaza", acrescentou.
De sábado para hoje, um soldado israelita ficou gravemente ferido por morteiros no norte da Faixa de Gaza, e outro ficou com ferimentos ligeiros durante combates com membros do Hamas, havia indicado anteriormente o exército israelita. Caças israelitas atingiram no sábado "450 alvos do Hamas", incluindo centros de comando, segundo a mesma fonte.
Também em Israel continuam a chover mísseis vindos de Gaza, com o sistema de defesa antiaérea "Cúpula de Ferro" a intercetar a larga maioria. Contudo, as cidades israelitas de Ashdod e Ashkelon, na fronteira com Gaza, continuam sob alerta contra ataques de mísseis e foguetes e três pessoas ficaram feridas no sábado após tiros disparados de Gaza.
Entretanto, os Estados Unidos afirmaram hoje que Israel deve "distinguir" nas suas operações militares entre o Hamas e os civis palestinianos.
"O que acreditamos é que a cada hora, a cada dia desta operação militar, o Governo israelita deve tomar todas as medidas possíveis ao seu dispor para distinguir entre o Hamas -- os terroristas que são alvos militares legítimos -- e os civis que não o são", disse o conselheiro de segurança nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan, em declarações à estação televisiva CNN.
"Este é o conselho que lhes damos. Isto é o que comunicámos e continuamos a fazê-lo ao mais alto nível", acrescentou Jake Sullivan, referindo que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, falará hoje, novamente, com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu.
Situação no Líbano
A norte, no vizinho Líbano, voltaram a registar-se trocas de tiros de artilharia entre Israel e forças do Hezbollah. O ministro da economia Libanês, Amin Salam, afirmou que a crescente insegurança regional deixa o Líbano à beira de um desastre no que toca às reservas de comida, combustível e medicamentos.
"Entre o que está disponível no país agora, aquilo que está a chegar aos portos de Beirute e Tripoli e o que está para chegar nas próximas semanas, diria que temos reservas para dois ou três meses", disse em entrevista à Lusa o ministro.
Também a nível diplomático a situação continua a degradar-se, depois de o sábado o ministro dos Negócios Estrangeiros israelita ter anunciado que mandou retirar os seus diplomatas da Turquia para "reavaliar as relações", na sequência das "graves declarações" do Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, à ofensiva israelita em Gaza.
Numa manifestação no antigo aeroporto de Istambul, perante centenas de milhares de apoiantes empunhando bandeiras turcas e da Palestina, Erdogan acusou Israel de "crimes de guerra", os países ocidentais de serem os "principais responsáveis" pela crise humanitária e deixou uma ameaça velada.
"A partir de agora, continuaremos o nosso caminho com o lema de que, de repente, uma noite, poderemos bater à vossa porta", disse Erdogan.