Militares e oposição anunciam acordo sobre "transição democrática" na Guiné-Bissau
19 de abril de 2012Vítimas de uma longa tradição de desordens e motins político-militares, os guineenses demonstram, uma semana depois do nono golpe de Estado naquele país lusófono, um profundo ceticismo em relação ao anúncio de um "acordo de transição", concluído entre o Comando Militar e os principais opositores ao ex-primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior nesta quarta-feira (18/04).
Gomes Júnior, apontado como grande favorito da eleição presidencial, inicialmente prevista para 29 de abril, continua preso, juntamente com o presidente interino da Guiné-Bissau, Raimundo Pereira.
A alegada "transição democrática" deverá terminar num prazo máximo de dois anos, com a organização em simultâneo de eleições presidenciais e legislativas. Nenhuma indicação foi dada sobre a composição do órgão de transição, nem sobre os nomes dos futuros presidente e primeiro-ministro.
"Daqui voltamos para a caserna"
Daba Na Walna, até agora o rosto do Comando Militar que desencadeou o golpe de Estado disse num encontro com os media que o "gesto simbólico" demonstra de forma clara que os militares não pretendem ficar no poder.
"O objetivo do nosso levante não tem nada a ver com o poder, dissemos na altura [12 de abril] que nós antecipamos uma agressão iminente. Assinamos este acordo dizendo claramente à sociedade civil e a todos aqui presentes que daqui voltamos para a caserna. O nosso lugar é lá. Somos militares por opção, não por não termos alternativa: escolhemos ser militares. Políticos escolheram ser políticos. Há que separar águas, que cada um faça o seu trabalho e o país progrida", declarou Walna.
Apoio dos partidos de oposição
Em nome dos partidos políticos, Artur Sanhá, antigo primeiro-ministro de transição e ex-secretário-geral do Partido da Renovação Social (PRS) saudou a decisão. "Nós pensamos que é um passo muito importante, em que os partidos políticos signatários demonstraram sua vontade em colaborar na busca de soluções para o retorno à normalidade constitucional." Recorde-se que o principal partido da Guiné-Bissau no poder antes do golpe, o PAIGC, não assinou o acordo.
No que concerne às sanções internacionais que pendem sobre a Guiné Bissau, Artur Sanhá não se mostrou preocupado. "Eu penso que a CEDEAO [Comunidade Económica dos Estados África Ocidental], a União Africana e as Nações Unidas devem louvar a Guiné-Bissau, porque esta é terceira transição que se registra e há uma certa dose de experiência."
Além de dissolver o Parlamento, destituir o presidente interino e o governo, o Comando Militar diz que a Constituição será respeitada "parcialmente".
Reunião do Conselho de Segurança
Nesta quinta feira, o Conselho de Segurança da ONU deverá tomar novamente posição sobre a crise na Guiné-Bissau, na sequência de uma reunião em Nova Iorque, da qual participam os chefes da diplomacia angolana, portuguesa, guineense e o representante da ONU em Bissau.
O encontro tem por objetivo ouvir o representante da ONU na capital guineense, Joseph Mutaboba, além dos ministros dos Negócios Estrangeiros da Guiné-Bissau e de Angola – este em nome da presidência da CPLP - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
Observadores notam que na declaração a ser publicada depois da reunião de Nova Iorque, a ONU deverá reforçar o apelo ao retorno da ordem constitucional no país, a exigência de libertação dos líderes políticos detidos, o possível envio de uma força multinacional e aplicação de sanções internacionais aos autores do golpe.
As últimas decisões do Comando Militar são encaradas pela ONU como uma tentativa de legitimar e consolidar o poder, enquanto se procura chegar a um governo de transição.
Suspensão de ajuda financeira
Enquanto isso, o Banco Mundial e o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) anunciaram – num comunicado conjunto que condenou o golpe militar – a suspensão das suas ajudas ao desenvolvimento da Guiné-Bissau.
Aguarda-se para a próxima segunda-feira a chegada em Bissau de cinco chefes de Estado da CEDEAO para conversações com os autores do golpe de Estado, com vista analisar os mecanismos para o regresso à normalidade constitucional naquele país.
Autor: Antônio Rocha
Edição: Francis França