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Liberdade de imprensa

Moçambique: MISA sem meios para proteger jornalistas

14 de novembro de 2019

Instituto para a Comunicação Social na África Austral fala em situação de segurança "precária" e "preocupante" em Moçambique, com jornalistas ameaçados. Caso mais recente visou publicação "Ikweli", em Nampula.

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Imprensa moçambicana cada vez mais ameaçada de morte e intimidações Foto: Romeu da Silva

O MISA, Instituto para a Comunicação Social na África Austral, em Moçambique, está preocupado com a segurança dos jornalistas moçambicanos. A organização diz que o único mecanismo para proteger os profissionais de comunicação social é denunciar os atos às instituições do Estado que, curiosamente, são as mesmas acusadas de ameaçar e intimidar os jornalistas.

O caso mais recente de ameaça de morte a profissionais dos média envolve funcionários do Tribunal Administrativo (TA), em Nampula que, através de uma carta publicada pelo jornal local "Ikweli", denunciaram a alegada má gestão naquela  instituição. 

Funcionários do TA dirigiram-se à redação, exigindo que o jornal desmentisse que a denúncia tinha sido feita por pessoas do tribunal. Mais tarde, ameaçaram de morte os jornalistas da publicação, através de chamadas telefónicas.

Em entrevista à DW África, o oficial de programas do MISA-Moçambique, Lázaro Mabunda, condena o sucedido e apela à denúncia.

DW África: Como avalia a situação de segurança dos jornalistas em Moçambique?

Lázaro Mabunda, investigativer Journalist aus Mosambik
Lázaro Mabunda é o oficial de Programas do MISA-Moçambique.Foto: DW/A. Cascais

Lázaro Mabunda (LM): A avaliação que fazemos é que a situação de segurança do jornalista é precária, porque há vários fatores. Muito recentemente, tivemos eleições que foram das mais conturbadas. Estamos perante uma situação de dívidas ocultas e do julgamento que está a ser desencadeado fora de Moçambique, nos Estados Unidos. Isto tudo faz com que o ambiente não seja grande coisa para o jornalista de Moçambique. Tudo isto coloca-nos numa situação preocupante. O caso de Nampula é ainda mais preocupante, sobretudo por ser um caso que nasce de um trabalho feito pelo próprio jornalista, em que foi dada oportunidade de reagir ao Tribunal Administrativo e o tribunal reagiu. Alguns funcionários foram para lá pedir esclarecimentos para que a sua reação fosse publicada e foi publicada. Mas, mesmo assim, houve ameaças. Essas ameaças já não se percebe de quem são. Ou são dos funcionários ou são de outras pessoas. A situação é bastante preocupante.

DW África: Porquê tantas ameaças aos jornalistas?

LM: Em países com alto nível de corrupção, de crime organizado e com sinais de tráfico de drogas, movimentação de muito dinheiro, esses fatores são propícios para ameaças a jornalistas. Todo o jornalista que se envolve na situação de investigação que envolve altas figuras do Estado e sindicatos do crime organizado, isto é sempre motivo para colocar o jornalista que estiver a investigar como alvo a abater.

Chinesische öffentliche Arbeiten in Maputo
Procuradoria Geral da República, na cidade de Maputo .Foto: DW/Romeu da Silva

DW África: Perante esta situação de insegurança, que mecanismos tem o MISA para proteger os jornalistas?

LM – O MISA não tem mecanismo definido para proteger o jornalista, não tem instrumentos para defender os jornalistas. A única forma de proteger os jornalistas é acionar essas instituições do Estado que, na maioria, estão ligadas a estas situações. São as únicas que existem em que podemos confiar. Há outra coisa que temos estado a fazer sempre que acontecem situações desta natureza que é alertar o Estado, exigir que as instituições façam as suas investigações e punam as pessoas. Infelizmente, não tivemos situações de alguém que foi punido. Temos de confiar na nossa justiça, quer funcione bem ou mal.

DW África: Quantas queixas dos jornalistas recebe o MISA por ano?

LM: Nos últimos dois anos, 2017 e 2018, recebemos uma média de 20 queixas. Este ano, estranhamente, estamos a receber poucas queixas, mas isso pode ser sinal de que as ameaças que foram feitas no passado estão a ter resultados, ou seja, o jornalista está a começar a ter medo de pisar determinadas zonas. Achamos que a detenção do jornalista Amade Abubacar foi determinante para este ambiente, para assustar os jornalistas. Sente-se, de fato, que os jornalistas hoje têm muito medo de tocar alguns assuntos. Ou seja, os jornalistas agora pegam aqueles casos menos complicados.

DW África: Não estarão os jornalistas a perder esta guerra?

Uma rede para defender a liberdade de imprensa em Moçambique

LM: Provavelmente. Esta é a interpretação que estou a fazer em função do número que estamos a receber este ano, que é muito reduzido quando comparado com os anos passados. Os anos passados eram pré-eleitorais e tínhamos muitas queixas. Estranhamente, num ano eleitoral como este, com tantos problemas registados, não tivemos queixas. Significa isto que os jornalistas se envolveram muito pouco em casos de denúncia de violações da legislação eleitoral e manipulação de resultados. Pode ser que tenha diminuído o número de ameaças, mas eu tenho muitas dúvidas disso.

DW África: Quais são os setores que muitas vezes ameaçam jornalistas?

LM: Grande parte estão ligados ao Estado moçambicano. Muito raro termos situações ligadas ao setor privado a fazer ameaças. Temos o caso de partidos políticos. No ano passado, tivemos casos em que membros da RENAMO ameaçaram jornalistas, acusando-os de estarem a fazer coberturas parciais.

DW África: Como acha que os jornalistas vão sobreviver perante essas ameaças e pelo fato de o MISA não ter mecanismos para os proteger?

LM: É continuar a confiar nas instituições que vão trabalhar sempre que ocorre alguma ameaça. Não há outra saída a não ser que o jornalista confie nas instituições. Às vezes, temos de confiar na mesma instituição que nos mata.

DW África: Não se estará a pôr em causa o profissionalismo e a responsabilidade do jornalista na sociedade?

LM: Como jornalista, tem responsabilidade. A responsabilidade é de informar o cidadão com isenção e imparcialidade. Os riscos vão existindo, mas se não o fizer, está a abster-se de fazer o seu trabalho. Escolhemos isso. É como militar, quando vai à guerra não sabe se volta vivo, mas ele escolheu essa profissão. Então, nós também temos de ser como militares. Mas o que não podemos fazer é recuar e deixar espaço a quem quer silenciar a classe só porque temos medo.

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