Missão internacional no Mali continua a ser destaque na imprensa alemã
2 de novembro de 2012
A edição da última quarta-feira (31.10) da Frankfurter Allgemeine Zeitung (FAZ) deu destaque à missão planejada pela União Europeia para o Mali, cujo norte é dominado por milícias radicais islâmicas e que, por causa da má gestão desta situação, teve o governo derrubado durante um golpe militar de Estado em março deste ano.
Segundo o FAZ, a missão militar europeia no Mali não será "muito grande". Na última terça-feira (30.10), o ministério das Relações Exteriores da UE divulgou alguns números em Bruxelas: serão cerca de 200 formadores militares que vão atuar no Mali, "dividido por terroristas e separatistas" – uma situação que também foi objeto de reportagem de destaque no semanário Der Spiegel esta semana.
Tal situação, de acordo com as autoridades do chamado bloco dos 27, "é uma ameaça muito séria" para a Europa – "por isso, seria preciso agir rápido", diz o texto do FAZ. As primeiras decisões sobre a missão europeia no Mali deverão ser tomadas no dia 19.11 durante encontro dos ministros das Relações Exteriores e da Defesa da UE.
Ainda segundo o Frankfurter Allgemeine Zeitung, Bruxelas não esperava uma "grande missão", a exemplo da missão europeia de formação das forças de segurança da Somália, que também não tem mais de 200 soldados. A diferença é que a missão europeia no Mali "formará os soldados no próprio país, enquanto a instabilidade na Somália fez com que a formação acontecesse no Uganda".
A missão europeia no Mali espera, ainda segundo o FAZ, que os soldados europeus não participarão de ações de combate, preparando os entre 6 mil e 7 mil soldados "para o combate no norte, ao mesmo tempo em que reestrutura o exército seguindo um molde 'ocidentalizado', por exemplo com uma autoridade civil acima das forças militares", explica o texto.
A União Europeia também planeja uma outra intervenção possível: "o apoio logístico a uma tropa de intervenção que está sendo preparada pela Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental, CEDEAO, para o norte do Mali". Tal tropa contaria entre 3 e 4 mil soldados, lembra o Frankfurter Allgemeine Zeitung. A União Europeia estuda o apoio logístico com caminhões e aviões e poderia enviar pilotos, por exemplo, à região.
Para ajudar o Mali, no entanto, a UE quer que o governo militar do Mali, que governa o país desde o golpe de março, volte à democracia através, de, "em primeiro lugar, eleições livres – a única maneira de se voltar a pagar ajuda ao desenvolvimento ao país ocidental africano". Os jornais ainda lembram que a ajuda europeia à população em setores como o da educação ou da saúde não foi interrompida após o golpe.
Em Bruxelas, destaca o FAZ, a justificativa para a intervenção militar europeia é a defesa dos interesses de segurança europeus, já que o norte do Mali se tornou uma região para o "tráfico de armas, drogas e pessoas e na qual houve recrutamento de terroristas por grupos radicais islâmicos. Além disso, a situação no norte do Mali prejudicaria os esforços de desenvolvimento numa das regiões mais pobres do mundo, bloqueando também a reconstrução do Estado na Líbia", escreve o FAZ. É que o golpe militar no Mali terá sido motivado especialmente por milícias de tuaregues que atuaram como mercenários na Líbia e que, após a queda do regime de Mouammar Kadhafi, há um ano atrás, voltaram à casa – o Mali.
Medicamentos falsos prejudicam "quem mais precisa"
A edição alemã da revista mensal GEO publicou na quinta-feira (01.11) um dossiê especial sobre a falsificação de medicamentos no mundo, que ameaça principalmente "daqueles que precisam de ajuda".
Citando exemplos de falsificação no mundo desde 2006, a revista dá destaque a amostras de medicamentos contra a malária em onze países africanos. Em 2011, pesquisadores comprovaram que os medicamentos não continham os princípios ativos que salvam vidas, mas sim paracetamol, substância usada contra dores, e sildenafil, princípio ativo do medicamento contra a impotência Viagra.
Segundo a GEO, a "globalização da produção farmacêutica impulsionou a proliferação desta 'doença': não existe país que possa dizer que está livre da falsificação". A revista ainda escreve que a dimensão da falsificação é desconhecida, mas que a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, na África Austral, na América Latina e no sudeste asiático 30% dos medicamentos sejam falsificados – "seja por intenção criminosa ou por negligência dos padrões corretos de produção dos medidcamentos. Por outro lado, em países industrializados com sistemas de vigilância elaborados, a taxa de medicamentos que não cumprem o que prometem não atinge 1%".
Porém, a revista deixa o alerta: isso vale para os medicamentos vendidos em farmácias. Nas lojas da internet, o risco de falsificação seria bem maior.
Segundo especialistas, quem domina a falsificação é o crime organizado, que consegue transportar "preparados duvidosos" oriundos, por exemplo, da China e da Índia, através de zonas de livre comércio como os Emirados Árabes Unidos ou o Panamá, para os países de destino. O risco de que os grupos responsáveis pelo 'contrabando' sejam descobertos é pequeno – ainda segundo especialistas, as penas são brandas e os lucros muito altos, no âmbito de um mercado cuja demanda nunca cessa e que em 2012 deverá ser responsável pela circulação de 755 mil milhões de euros.
No continente africano e na Ásia, ainda segundo a GEO, a corrupção e a falta de controle facilitam o trabalho dos falsificadores. Em 30% dos 193 países membros da OMS, faltariam autoridades efetivas de vigilância, e a produção, a importação e o controle de qualidade são inexistentes ou muito rudimentares.
Continente africano bloqueia a própria agricultura, diz Banco Mundial
A publicação Die Presse – e também o jornal suíço em língua alemã Neue Zürcher Zeitung – destaca um estudo do Banco Mundial que diz que os agricultores africanos poderiam abastecer o continente com alimentos básicos sem maiores problemas. Porém, barreiras comerciais impediriam a abertura de países africanos a outras regiões do mundo.
Segundo o artigo, os investidores colocaram altas somas de dinheiro em vários países africanos, já que o resto do mundo cambaleia com a crise econômica mundial – e, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), a região ao sul do Deserto do Saara tem crescimento projetado médio de 5% para este ano. "Se o continente fosse um país, o cidadão médio receberia 1700 dólares por mês e pertenceria à classe média, segundo o Banco Mundial", escreve o Die Presse. "Apenas a agricultura não acompanha esse desenvolvimento. Ainda há centenas de milhões de pessoas que sofrem com a fome no continente africano".
Tal realidade, segundo o Banco Mundial, seria desnecessária – não fossem as importações de alimentos. Os países do continente importam 95% dos cereais de fora da África.
"Até agora, havia uma explicação: os países ricos, industrializados, inundam os mercados africanos com alimentos baratos e subvencionados, um processo contra o qual os agricultores africanos têm poucas chances. Mas não é só isso", diz o Die Presse.
Segundo o Banco Mundial, citado pela publicação, o maior problema é que a África se bloqueia a si mesma com "obstáculos burocráticos e barreiras de importação acabam com a motivação dos agricultores e encarecem os alimentos para os consumidores. Muitas vezes, é mais fácil para produtores não africanos abastecer uma cidade do continente que para os agricultores locais, que vivem próximo aos centros urbanos. No entanto, é nestes centros que o futuro africano se constrói atualmente", diz o texto do Die Presse.
Até 2020, diz o Banco Mundial, a demanda por alimentos básicos deverá dobrar na África, com prioridade para milho e trigo. "Para os agricultores, não é fácil transportar os alimentos até os centros urbanos, apesar de as estradas estarem boas. Agricultores queninanos, da Tanzânia ou do Uganda precisam contar com estradas bloqueadas e com pagamento de pedágios a cada 30 ou 50 quilômetros. Os agricultores também acabam por ficar com 1/5 do preço final do produto – algo que desmotiva o transporte e também a produção para outros países".
Além disso, num continente com 400 milhões de hectares – metade da Austrália – apenas um décimo da área agriculturável é utilizado. O Banco Mundial também diz que a falta de uma colheita "não precisa levar a uma catástrofe. O continente africano raramente sofre com a seca – em algum local "sempre existe uma boa colheita".
Outro problema, escreve o jornal, é que "as proibições de importação e de exportação ainda valem como medida para proteger os próprios agricultores da concorrência e os cidadãos da fome. Mas na verdade esta política entrega aos agricultores uma realidade de preços extremamente voláteis. Se, na Zâmbia, falta um terço da colheita de milho, o preço do produto aumenta 150% por causa das fronteiras fechadas do país a importações. Se houvesse importações para completar a colheita, o aumento dos preços seria de 36%", diz o texto.
Assim como o Neue Zürcher Zeitung, o Die Presse destaca como "conhecidas" as medidas sugeridas pelo Banco Mundial: fim das barreiras comerciais e harmonização das normas de qualidade, por exemplo (na Tanzânia, 3% dos grãos podem ter insetos, por exemplo, mas o Uganda só permite 1%). "Assim, a África não acabaria apenas com a fome, mas ganharia mais 20 mil milhões de dólares por ano – e, em 2025, a maioria dos africanos poder-se ia mesmo contar entre os membros de uma classe média".
"A revolta dos esquecidos", 18 anos após o apartheid
É o título de matéria da versão alemã do jornal britânico Financial Times, que alerta: 18 anos após o fim do regime de segregação racial dominado pela minoria branca, a vida da maioria dos negros na África do Sul não melhorou. "Agora, a indignação volta-se contra o governo e o país pode desabar".
As riquezas da África do Sul se devem especialmente a recursos naturais como a platina explorada na mina de Marikana, palco, em agosto, de confrontos entre sindicatos rivais e de um tiroteio da polícia que matou 34 grevistas naquela altura.
Porém, como mostra a reportagem de Johannes Dieterich para o Financial Times Deutschland, poucos sul-africanos beneficiam da riqueza – o que deixa muitos cidadãos, ou "centenas de milhares", deles, indignados e com raiva. O massacre de Marikana poderá ter sido apenas a primeira explosão, diz o jornal, com a greve de centenas de mineiros e reivindicações de aumentos de salários em até 100%. "Como fogo, os protestos se espalharam pelo país inteiro. É que os protestos não são apenas a frustração de mineiros – são o reflexo de um país profundamente dividido, no qual o Congresso Nacional Africano, ANC, partido da 'esperança' pós-apartheid de Nelson Mandela, não acabou com os problemas dos negros do país. Ao contrário, ajudou alguns poucos a chegarem à riqueza", destaca o FTD.
Moeletsi Mbeki, irmão do ex-presidente sul-africano Thabo Mbeki [sucessor de Nelson Mandela] e diretor do Instituto Sul-Africano para Assuntos Internacionais da Universidade Witwatersrand, disse ao jornal que as manifestações atuais, impulsionadas pelo massacre de Marikana, são o equivalente ao movimento de protestos no mundo árabe que ficou conhecido como a Primavera Árabe.
Para Moeletsi Mbeki, o fato de o Estado reprimir protestos com tanta violência como em Marikana evidencia que "o ANC nunca foi um movimento da maioria populacional negra, dos trabalhadores e dos desempregados. Sempre foi uma organização da elite negra". Uma definição que, lembra o jornal FTD, "não combina com a imagem do partido, considerado próximo dos trabalhadores e de esquerda", tendo vencido o regime segregacionista de minoria branca em 1994.
Tal vitória melhorou muito na África do Sul, um país com uma "Constituição moderna, um país democrático. Porém, em vez de lutar contra a desigualdade social e o desemprego, a nova elite tomou conta do poder, gastou os lucros com os impostos com a construção de uma classe média negra e colocou alguns representantes da elite negra em postos de chefia de empresas", diz o FTD.
Autora: Renate Krieger
Edição: António Rocha