Moçambicanos de luto pela morte de Gilles Cistac
6 de março de 2015"Paz à sua alma. É uma perda irreparável", escreveu Mário Árabe, um habitante de Maputo, na página do Facebook da DW África após a notícia do assassinato do académico Gilles Cistac, na terça-feira (03.03). É um sentimento ecoado por muitos. "A Universidade Eduardo Mondlane, as Escolas Superiores nos arredores de Maputo e o próprio país perderam um grande Professor", acrescentou, por exemplo, o utilizador moçambicano João Alfândega.
"O que é que ele fez?" era uma das perguntas que mais se ouvia junto às bancas de jornais, conta a revista IDOLO na sua página online. Há dias, Cistac "defendeu que é possível termos províncias autónomas em Moçambique sem violar a Constituição", era a resposta. Ao que seguiam mais perguntas: "E depois? Se defendeu isso é preciso matar?", relata ainda a publicação moçambicana.
Em memória
Nas ruas de Maputo, e não só, multiplicam-se as homenagens ao constitucionalista moçambicano, de origem francesa, morto a tiro por desconhecidos, quando saía de um café.
Os populares juntaram-se em vigílias noturnas, acendendo velas e depositando no chão ramos de flores em memória de Gilles Cistac.
Também tem havido marchas de solidariedade para com Gilles Cistac e a sua família e em defesa da liberdade de expressão.
Na Beira, a polícia impediu uma manifestação de docentes e estudantes, que, ainda assim, estiveram nas ruas. Em Maputo, os ex-trabalhadores moçambicanos na antiga República Democrática Alemã, conhecidos como madgermanes, também condenaram o assassinato. Está ainda programada uma marcha de protesto para este sábado, às sete horas da manhã, hora local, no sítio em que Cistac foi morto.
Muitos têm também homenageado Cistac nas redes sociais. Houve quem colocasse a imagem do constitucionalista como foto perfil no Facebook ou no Twitter, nota André Mulungo, do jornal Canalmoz. Começaram também a circular vários posts com o hashtag #jesuiscistac, numa referência à frase #jesuischarlie, usada em todo o mundo por defensores da liberdade de expressão depois do ataque de extremistas islâmicos ao jornal satírico Charlie Hebdo, em janeiro.
Mas, claro, os utilizadores homenageiam Cistac sobretudo através das suas mensagens de condolências. No Facebook da DW África, o utilizador "Agape Angola" conclui: "Mataram o homem, mas não mataram o espírito. O ideal que ele defendia, esse irá com o vento para onde quiser. E vencerá".
Perguntas por responder
A onda de solidariedade nas ruas de Moçambique e nas redes sociais é pontuada pela indignação e por muitas perguntas: quem matou Gilles Cistac e porquê?
Até agora, a tendência nas redes sociais tem sido apontar o dedo ao próprio regime. Porque, ao defender publicamente a possibilidade constitucional de criar de províncias autónomas, o académico deu força à principal exigência do maior partido da oposição, a RENAMO, que tem reivindicado autonomia para as zonas onde obteve uma maioria dos votos nas eleições de outubro.
"Essa morte é muito estranha, com certeza alguém ou um grupinho se quiseram beneficiar dela. Que país é este, afinal, onde alguém para manter a sua riqueza deve matar os outros?", questiona o utilizador "Frenk Amado" na página da DW África no Facebook. Por seu lado, "Marlon Foliche" cita o rapper moçambicano Azagaia: "Esses não são libertadores, são combatentes da fortuna, a liberdade existirá até onde for oportuna."
O partido no poder, a FRELIMO, nega estar envolvido no assassinato.
Outra das perguntas frequentes nas redes sociais, que também já foi colocada por quatro organizações moçambicanas num comunicado, é: será que o homicídio de Gilles Cistac vai ficar por esclarecer, como aconteceu com outros casos no passado?
José António Simões questiona no Facebook: "Quem matou Eduardo Mondlane? Quem matou Samora Machel? Quem matou o general Sebastião Marcos Mabote? Quem matou Uria Simango? Quem matou o jornalista Carlos Cardoso? Quem matou Siba-Siba Macuácua?"
Jossias Ramos diz que não quer "imaginar o que teria acontecido a António Muchanga e companhia se a RENAMO não tivesse homens armados. Urge acabar com o pensamento radical dentro deste regime, senão continuaremos assim, sem mandantes do assassinato de Mondlane, Samora, Carlos Cardoso, Siba-Siba Macuácua e, agora, Gilles Cistac."
O ministro moçambicano do Interior, Jaime Basílio Monteiro, garante que as autoridades não vão descansar até encontrarem os criminosos. O governante disse esta quinta-feira (05.03) que Moçambique está a colaborar com a Polícia Internacional (Interpol) e as polícias dos países da África Austral para encontrar os assassinos, não avançando, no entanto, detalhes sobre a investigação.
Na página do Facebook da DW África, Avestino Augusto Fundai escreve que "o esclarecimento breve da morte do Dr. Cistac vai depender do empenho da polícia de investigação criminal e do envolvimento de toda a sociedade civil."
Tendo em conta a "inquietação que cresce no país", onde se continua a conjeturar possíveis suspeitos, o sociólogo Carlos Serra, colega de Cistac na Universidade Eduardo Mondlane, pede no seu blogue ao Presidente Filipe Nyusi que fale à Nação: "Fale ao Povo inspire confiança e legitimidade, […] ouse mudar a história com auxílio do seu elenco governamental, ouse ser o processo e o futuro, por favor ouse mostrar que o que parece, não é."