Moçambique: Dirigentes da FRELIMO usam dinheiro público para financiar campanha
3 de setembro de 2014O Centro de Integridade Pública de Moçambique (CIP) apresenta como provas deste desvio de fundos a correspondência trocada entre os dois funcionários e três cheques por eles assinados, no valor de 67 mil meticais (cerca de mil e 600 euros), para pagar contas telefónicas do partido e adquirir cabeças de gado destinadas a confecionar refeições para altos funcionários da FRELIMO de visita ao distrito Barué, na província de Manica. O dinheiro foi ainda gasto em combustível para as deslocações relacionadas com estas visitas.
Esta quarta-feira (03.09), a Associação dos Parlamentares Europeus para África (AWEPA) também acusa a FRELIMO de usar meios do Estado na campanha para as eleições gerais.
Num boletim, a AWEPA acusa quadros da Frente de Libertação de Moçambique de utilizar viaturas do Estado para ações de campanha para as eleições gerais de 15 de outubro.
A DW África falou com Borges Nhamire, autor do relatório do CIP, que se mostrou preocupado com a impunidade nos casos de desvios de fundos públicos em Moçambique, pedindo ao Ministério Público que responsabilize criminalmente os infratores.
DW África: O que deveria ser feito para combater estas situações?
Borges Nhamire (BN): O CIP defende que muitas vezes não há responsabilização da impunidade porque faltam provas. Mas neste caso o CIP apresenta até bastantes evidências para que as pessoas sejam responsabilizadas. Temos as cartas escritas pelos dirigentes a trocar informação de que deveriam usar o dinheiro e a declarar o destino desse dinheiro e temos ainda os cheques passados pelos dois. Cabe agora ao Ministério Público a abertura do processo para responsabilizar estas pessoas, mas em tempo útil, para que possa servir de exemplo aos outros dirigentes que o dinheiro do Estado não é para ser encaminhado para fins privados.
DW África: E como é que podem ser evitadas outras situações semelhantes?
BN: Infelizmente estamos num contexto em que não existe nenhuma lei sobre isso, porque se tivéssemos legislação em vigor poderíamos solicitar a apresentação de contas diretamente aos Governos distritais. O que resta é continuar a fazer um trabalho de pesquisa.
Esta situação pode ser apenas a ponta de um iceberg de um grande problema que há de desvio de dinheiros públicos para financiar campanhas partidárias. E considerando outras práticas semelhantes, não me surpreendia se concluíssemos que há ordens do partido para solicitar junto dos Governos locais a contribuição para a campanha eleitoral. Ainda não vimos uma declaração da FRELIMO a distanciar-se dessas práticas.
Já houve casos semelhantes, e que forma julgados, de dirigentes públicos que desviaram dinheiro e depois em sede de tribunal justificaram que era para atender ao pedido do partido. É uma situação muito preocupante e que esperamos que seja exemplarmente punida para que possa desencorajar tais práticas.
DW África: Neste sentido, o CIP introduz este ano uma inovação na cobertura da campanha eleitoral denominada “Para a impunidade”. De que se trata esta novidade?
BN: É preciso entender que em Moçambique nenhum órgão de comunicação social tem cobertura nacional. Infelizmente, muitos limitam-se às capitais provinciais. O CIP está neste momento a fazer uma cobertura à escala nacional do processo eleitoral. Conseguimos ter 150 correspondentes em cada um dos distritos do país para identificar e reportar todos os ilícitos eleitorais.
É importante que haja alguns elementos comprovativos dessas ilegalidades, como aconteceu neste caso de Barué. E uma vez reportado, a informação será tratada pelos editores em Maputo e publicada. Haverá também uma equipa de advogados em parceria com a Liga dos Direitos Humanos e outras organizações que potencialmente vão cooperar neste projeto. A ideia é passar esta etapa, começando a abrir processos em tribunais para que as pessoas envolvidas em ilícitos eleitorais sejam punidas.