Moçambique: "Não aceitamos pagar essa dívida"
8 de junho de 2016O Governo moçambicano vai à Assembleia da República esta quarta (08.06) e quinta-feira (09.06) prestar esclarecimentos sobre dívidas de 1,4 mil milhões de euros que não constavam das contas públicas.
Organizações da sociedade civil rejeitam que o país seja obrigado a pagar as dívidas das três polémicas empresas privadas Empresa Moçambicana de Atum (EMATUM), Mozambique Asset Management (MAM) e ProIndicus, contraídas entre 2013 e 2014 pelo anterior Executivo. O Fórum de Monitoria do Orçamento, o Grupo Moçambicano da Dívida e a Coligação Transparência e Justiça Fiscal lembram que as dívidas foram contraídas sem o aval do Parlamento e exigem, por isso, a responsabilização dos autores dos empréstimos.
As três organizações não-governamentais (ONG) consideram que o Estado agiu de forma inconstitucional, violando a alínea p) do número 2 do artigo 179 da Constituição, segundo a qual é da exclusiva competência do Parlamento "autorizar o Governo, definindo as condições gerais, a contrair ou a conceder empréstimos, a realizar outras operações de crédito, por período superior a um exercício económico e a estabelecer o limite máximo dos avales a conceder pelo Estado."
A DW África conversou com Paula Monjane, coordenadora do grupo das ONG.
DW África: Que exigências fazem ao Governo moçambicano?
Paula Monjane (PM): Como cidadãos moçambicanos, nós não aceitamos pagar essa dívida. Exigimos do Governo que faça uma publicação em fontes abertas e de maior acesso de toda a informação relacionada com a dívida pública, para que todos os moçambicanos tenham essa informação. Num segundo aspecto em relação ao Governo, queremos uma explicação pública e detalhada sobre as reais implicações desta dívida no seu bolso.
O terceiro aspecto que esperamos do Governo é um plano de ação com medidas monitoráveis pelo público sobre como responsabilizar os autores das inconstitucionalidades e ilegalidades da concessão dos avales do Estado a empresas privadas. Também esperamos do Governo a apresentação pública e detalhada das medidas de austeridade conducentes à superação da atual crise económica e da dívida. Por causa da dívida em particular, parceiros de cooperação cortaram o apoio programático. Então, há uma necessidade clara de Moçambique dizer como vai racionalizar a despesa.
O quinto aspecto para o Governo é a indicação pública e detalhada de medidas a adotar em caso de impossibilidade de as empresas saldarem as dívidas nos prazos e montantes previamente acordados, quem são ou serão os financiadores, com que montantes e em que condições. Nós também exigimos da Assembleia da República, que é a representante dos cidadãos, que impeça a legalização e transformação das dívidas da ProIndicus e da MAM em dívidas soberanas. Exigimos também ao Parlamento a preparação e aprovação de uma lei de responsabilização fiscal para infratores da lei orçamental. O que acontece é que há um limite de avales que o Governo pode dar em cada ano fiscal. Entretanto, a lei é omissa em dizer que responsabilização se dá em caso de infração.
DW África: Caso não sejam cumpridas as vossas recomendações, teriam como entrar com alguma ação contra o Governo, como sociedade civil?
PM: No devido momento, iremos pronunciar-nos sobre o que iremos fazer, mas temos ainda fé que as instituições moçambicanas possam fazer alguma coisa. Portanto, não estamos a dirigir-nos apenas ao Governo, mas também a outras instituições do Estado, incluindo as instituições soberanas como o Parlamento, instituições judiciais. E acreditamos que elas ainda possam trabalhar e que terão um papel fundamental nesse processo. Se isso não acontecer, depois vamos pronunciar-nos sobre como achamos que devemos atuar.
DW África: Até agora há várias entidades a fazer pressão para isso. E um resultado ou uma resposta concreta até agora não houve.
PM: Exato. Nós vamos escutar e acompanhar atentamente o debate entre no Parlamento sobre a dívida pública, nos dias 8 e 9 de junho, e esperamos que o Governo tome uma atitude, principalmente sobre o assunto de uma auditoria a estas dívidas. E esperamos que haja alguma coisa. Se isso não acontecer, nós devidamente iremos contactar e informar o que iremos fazer. De certeza que não vamos parar por aqui. Como moçambicanos, a nossa intenção não é apenas fazer um comunicado para dizer que consta, mas que realmente não paguemos as dívidas, porque isso custa-nos no bolso e no bolso dos nossos irmãos.