Populares preocupados com raptos e desaparecimentos
14 de junho de 2016Há três semanas, no povoado de Mucodza, dois idosos com mais de 70 anos foram forçados a guiar as tropas governamentais às bases da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) ao longo da serra e indicar quem eram os guerrilheiros do principal partido da oposição naquele povoado.
Depois de dois dias sem terem encontrado as supostas bases da RENAMO, os idosos foram sujeitos a tortura e mantidos em cativeiro até que revelassem a localização das bases. Um deles acabaria por ser baleado no braço direito, ao tentar fugir. As suas casas foram incendiadas.
“Eles vieram carregar o meu pai, bateram-lhe. Foram buscá-lo de novo, bateram-lhe mais e perguntavam quem ele era”, conta Joaquim, filho de um dos idosos vítimas dos ataques. “Depois voltaram a deixá-lo aqui em casa, mas no outro dia voltaram e deram-lhe um tiro. Ele tentou fugir e eles [elementos das forças de defesa e segurança] ficaram aqui a queimar as casas. Também queimaram a casa da minha madrasta, levaram os telefones dele e lançaram no fogo. Aqui atrás balearam um jovem que morreu logo. Levaram o irmão dele, que ainda não voltou.”
No mesmo dia, outros dois idosos foram raptados à luz do dia nas suas próprias casas, nos arredores da montanha da Gorongosa. “Vieram carregar o nosso vizinho, um senhor de idade que ia só à machamba. Quando chegaram à cancela, disseram ao senhor para ligar às filhas e informá-las de que teve um acidente e que estava no hospital [rural de Gorongosa], gravemente ferido”, conta um familiar da vítima, que pediu anonimato.
A vítima foi forçada a dar às filhas “um número de enfermeiro. Quando elas foram procurar o pai ao hospital, ligaram para o número que o pai lhes tinha dado. Ao telefone, responderam-lhes que o pai estava na sala sem visitas”. Todos os dias as filhas “iam para lá [para o hospital], mas o número deixou de chamar. O nosso vizinho não está no hospital, nem volta mais para casa, desapareceu. Todos nós na comunidade não dormimos mais em casa, dormimos no mato”.
Populares abandonam povoados
Entretanto, ao temer as mesmas represálias por parte dos homens armados, alguns populares decidiram abandonar nas últimas semanas os povoados próximos da montanha e refugiaram-se na vila sede da Gorongosa. Mas mesmo ali as pessoas são perseguidas e algumas delas já foram assassinadas.
“Eu tinha um amigo chamado Elton. Ele andava de moto-táxi. Uma noite, ele foi levado; às 21 horas fomos procurá-lo e não o vimos. No dia seguinte, encontrámo-lo morto no rio”, conta um moto-taxista que, por receio de represálias, pediu o anonimato.
Recorde-se que, recentemente, uma comissão parlamentar reconheceu a existência de focos de tensão e de violação de direitos humanos na Gorongosa, precisamente por ser o epicentro das investidas militares.
O presidente da comissão, Edson Macuacua, atribuiu, na altura, à RENAMO a responsabilidade por estes crimes. “Nós estamos num espaço geográfico que é um teatro de operações militares da RENAMO e estas investidas afetam igualmente os direitos humanos, a segurança, a ordem e a tranquilidade”, afirma Macuacua. “Nós temos informações de raptos de alguns líderes locais e comunitários por alguns homens armados da RENAMO."
Apesar de não querer gravar uma entrevista para a DW África, o administrador de Gorongosa, Manuel Jamaca, reconheceu a grande tensão que existe no seu distrito. Também revelou ter já recebido várias queixas de funcionários da administração local de Vunduzi, de populares e de membros dos partidos políticos, que apontam o dedo acusador aos homens armados da RENAMO pela grande instabilidade que se vive na região.