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Moçambique: Parque do Zinave recebe seis mil animais

Cláudia Pereira
19 de julho de 2017

Dezenas de camiões percorrem o Zimbabué com elefantes, búfalos, girafas e zebras. Considerada uma das maiores deslocalizações em África, a operação teve início dia 26 de junho.

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Mosambik Impalas und Kudus Tiere werden gefangen
Consoante a espécie, os animais são capturados de formas diferentes. Para a captura de impalas usa-se um helicóptero e depois são transportados em camiões.Foto: Sango Wildlife Conservancy

Depois de um percurso de 600 quilómetros, que começa em Sango, os animais selvagens vão ser deixados no Parque Nacional Zinave, em Moçambique, perto da fronteira com o Zimbabué.

Os animais são uma doação de Wilfried Pabst, proprietário da Sango Wildlife Conservancy, no Zimbabué. O empresário alemão explica que a Sango Wildlife Conservancy tinha um excedente de animais selvagens e que agora está a ajudar a reconstruir uma extensa terra na Área de Conservação Transfronteiriça do Grande Limpopo (TFCA), quase despida de vida selvagem.

Integrado no programa da Peace Parks Foundation, o projeto resulta de uma colaboração entre os Governos de Moçambique e do Zimbabué, como parceiros da área protegida TFCA, da qual Zinave faz parte.

Mosambik Wilfried Pabst CEO Peace Parks Foundation
Wilfried Pabst adquiriu a Sango em 1993, mas só abriu portas a visitantes dez anos depoisFoto: Sango Wildlife Conservancy

A deslocalização já começou. "Neste momento, temos diversas operações a começar e a acabar em diferentes zonas, mas esperamos concluir todas as deslocalizações até ao final de agosto", conta Werner Myburgh, diretor-executivo da Peace Parks Foundation, organização responsável pela captura e transporte das espécies. "Já transportámos 51 impalas e estamos a capturar cudos”, acrescenta o empresário alemão Wilfried Pabst, da Sango Wildlife Conservancy, no Zimbabué.

Depois de capturados, os animais selvagens são transportados numa viagem de cerca de 25 horas até à fronteira de Moçambique e depois até ao Parque Nacional do Zinave, que perdeu animais devido à guerra civil (1976-1992).

Durante todo o processo de repovoamento, a Peace Parks Foundation é a organização responsável pela coordenação e financiamento das transferências, bem como pela garantia da segurança dos animais selvagens. Para tal, a fundação recorre a um conjunto de especialistas, como veterinários, guardas, ecologistas, motoristas de camiões e pilotos de helicópteros.

7.500 animais voltarão a habitar o parque em Zinave

Werner Myburgh, diretor-executivo da Peace Parks Foundation, diz que a duração do projeto poderá variar entre três a cinco anos. Mas "assinámos um acordo com o Governo de Moçambique para dar apoio nos próximos 10 anos", garante.

Südafrika Werner Myburgh Peace Parks Foundation
Werner Myburgh é diretor-executivo da Peace Parks Foundation, organização responsável pelo transporte dos animais para o ZinaveFoto: Peace Parks Foundation

No total, num máximo de cinco anos, cerca de 7.500 animais do Zimbabué, África do Sul e de outras partes de Moçambique serão transferidos para ajudar a repovoar o Parque Nacional do Zinave.

O projeto é possível graças à doação de animais por parques nacionais e setores privados. "Wilfried Pabst quis doar seis mil animais, mas o Governo apenas aprovou dois mil para este ano", explica Myghburg. Também 500 animais serão levados do Parque Nacional da Gorongosa, no centro de Moçambique, para ajudar a repovoar o Zinave e elefantes serão transferidos da África do Sul.

Riscos durante o transporte

O plano de transportar milhares de animais para Moçambique pode conter riscos. Ainda assim, há poucas possibilidades de fazer a deslocalização sem ser por terra. Segundo Masha Kalinina, especialista em política comercial da Humane Society International, citada pelo The Guardian, um elefante morreu no ano passado (2016) na rota para Zinave."Estão a transportar os animais para este parque para que eles possam morrer nas mãos de caçadores de troféus ou caçadores furtivos. É isso que chamamos de conservação?", questiona Masha Kalinina.

Mosambik Impalas und Kudus im LKW
Impalas e cudos transportados em camiõesFoto: Sango Wildlife Conservancy

Wilfried Pabst responde, no entanto, que o risco é reduzido e que é preferível morrer um ou dois animais mas continuar a poder ter todos os outros no parque do Zinave.

"Alguns animais selvagens podem ficar feridos, mas acredito que será uma exceção e não a regra", defende também Tamás Marghescu, diretor geral do Conselho Internacional para a Conservação da Vida Selvagem (CIC) - uma organização não-governamental que defende a conservação e a caça sustentável.

A maior deslocalização de animais bravios em Moçambique

2.5 milhões de dólares é o custo do projeto. No entanto, o diretor executivo da Peace Parks Foundation, Werner Myburgh, considera que o valor não pode ser comparado à soma "astronómica" que teria custado a aquisição de animais sem a doação.

Esta é a maior deslocalização de animais bravios no país, segundo a Administração Nacional das Áreas de Conservação. O repovoamento de um espaço com uma área protegida de quatro mil quilómetros quadrados vai permitir a reconstrução do Parque Nacional do Zinave, que viu o seu número de animais diminuir devido à guerra civil moçambicana e à caça furtiva, feita ilegalmente pela população para consumo ou para comércio.

Os16 anos de guerra civil (1977-1992)entre a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) reduziram drasticamente a vida selvagem em Moçambique. Mas para o diretor-executivo da Peace Parks Foundation, a ameaça é uma página do passado. "Neste momento, não existe um conflito entre a RENAMO e a FRELIMO", por isso "no futuro não vai haver riscos para os animais", acredita Werner Myburgh.

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Sango Wildlife Conservancy, no ZimbabuéFoto: Sango Wildlife Conservancy

Benefícios do turismo para a população 

"Estamos a voltar a trazer animais selvagens para um parque nacional em Moçambique, o que vai criar muitos empregos e trazer turistas para o Zinave", estima o empresário Wilfried Pabst.

Elefanten im in Krüger National Park
A vida selvagem atrai o turismoFoto: Getty Images

Na ausência de emprego, a população local dedica-se à caça furtiva, como meio de subsistência. Nesse sentido, o diretor-executivo da Peace Parks Foundation defende que "o turismo é absolutamente fundamental para ajudar a combater a caça furtiva".

Um dos principais motores do Produto Interno Bruto (PIB) em África é o turismo. Porém, está a ser posto em causa devido aos crimes contra a vida selvagem, que movimentam pelo menos 15 mil milhões de euros por ano

Tamás Marghescu não duvida que a deslocalização dos animais selvagens irá atrair turistas ao Parque Nacional do Zinave e à região. "É evidente que não há vida selvagem", neste momento, mas "com a deslocalização [de animais], criam-se possibilidades para o turismo de fotografia na área", acrescenta Marghescu.

Sonho de conservação ou risco de morte?

"Moçambique continua a ter uma das maiores taxas de caça furtiva na África Austral", alerta Masha Kalinina. A atividade é um dos principais motivos para a diminuição da população de elefantes no país, mas a deslocalização é vista como um projeto de conservação.

20.07.2017 Moçambique/animais/Parque - MP3-Mono

"É um sonho ecológico e de conservação que se vai tornar realidade", classifica o proprietário da Sango Wildlife Conservancy. Werner Myburgh acrescenta que os animais vão para um local onde é ilegal caçar. "Vão para um parque nacional em Moçambique, não vão ser mortos pela caça (furtiva), portanto, isto é definitivamente aquilo a que chamamos de conservação", defende Myburgh.

"Nenhum animal em África morre de causas naturais, pelo que o risco destes animais morrerem lá existe sempre", alerta Wilfried Pabst. Mas o proprietário da Sango Wildlife Conservancy, no Zimbabué, acredita que, no Zinave, os animais "irão estar muito bem protegidos pela Peace Parks Foundation".

Myburgh, diretor executivo da Peace Parks, admite haver riscos para os animais. "Claro que há riscos de caça furtiva para os animais que estão a ser transportados para Moçambique e, para os mitigar, a Peace Parks Foundation em conjunto com o Governo de Moçambique decidiram deixar os animais num santuário de animais”.

Um santuário de animais é uma área protegida que terá ao seu redor uma cerca elétrica "não com o objetivo de combater a caça furtiva, mas para manter os animais dentro dessa área". Além disso, a fundação está a treinar guardas para prevenir que as pessoas matem os animais."A principal preocupação não é prevenir a caça furtiva feita por pessoas para sobreviverem, a maior preocupação são as pessoas que matam animais de forma ilegal para ganho financeiro", esclarece Myburgh. "Proteger estes animais requer muito dinheiro e investimento e é por isso que o turismo é importante, para financiar estes custos", acrescenta.

Legislação sobre espécies protegidas condena até 15 anos de prisão

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Tamás Marghescu, diretor geral do Conselho Internacional para a Conservação da Vida Selvagem (CIC)Foto: CIC

"Em África, é impossível acabar definitivamente com a caça furtiva, porque as pessoas precisam de alimentar as suas famílias e outras para fazer disto um negócio", explica cauteloso Pabst.Tamás Marghescu, do Conselho Internacional para a Conservação da Vida Selvagem, reforça que "o mais importante é que a caça furtiva seja contida e controlada".

Uma lei promulgada em 2015 prevê penas de prisão até 15 anos para caçadores furtivos e a possibilidade de pagar uma multa. "Antes [desta lei], em Moçambique os caçadores furtivos apenas recebiam uma multa, não havia garantia de uma sentença de prisão", critica Myburgh.

Porém, acrescenta que ainda há trabalho a fazer: "o desafio é que os juízes e procuradores sejam treinados na nova lei e penso que, por vezes, por falta desse treinamento, os criminosos são deixados" sem punição.

História que precisa de ser replicada

A deslocalização de animais selvagens em Moçambique "é uma história de sucesso que precisa de ser replicada em mais lugares em África", conclui Tamás Marghescu, do Conselho Internacional para a Conservação da Vida Selvagem.

Assim, numa das maiores movimentações terrestres de animais selvagens, Wilfried Pabst, proprietário da Sango Wildlife Conservancy, no Zimbabué, ainda vai transportar 900 impalas, 50 elefantes, 300 gnus, 200 zebras, 200 búfalos, 100 girafas e 50 cudos até ao final de agosto deste ano. Se tudo correr como planeado, o sonho de conservação irá ser cumprido e Zinave ficará repleto de vida selvagem novamente.