Moçambique-Ruanda: Como fica a relação após saída de Nyusi?
23 de fevereiro de 2024Como será feita a passagem do dossiê Moçambique-Ruanda? É uma das questões que se levantam em ano de eleições presidenciais em Moçambique.
Em outubro, Filipe Nyusi deixará a Presidência moçambicana e o próximo chefe de Estado não pode cortar a cooperação de segurança "de forma abrupta", correndo o risco de "dar um tiro no pé", afirma o investigador Calton Cadeado.
Em entrevista à DW, o analista cogita que o Ruanda pode estar a relaxar para justificar a sua continuidade em Cabo Delgado e chamar para si mais protagonismo.
Calton Cadeado considera ainda que o Estado moçambicano falhou na questão da defesa e segurança e, por isso, terá dificuldades para se libertar da dependência estrangeira.
DW África: O que se espera do Ruanda no final do mandato do atual chefe de Estado moçambicano?
Calton Cadeado (CD): Eu só tenho uma teoria da conspiração em relação ao Ruanda e uma preocupação. O Presidente [Filipe] Nyusi está de saída e ele tem uma relação muito pessoal, de proximidade, com o Presidente ruandês. Como fica essa relação entre Ruanda e Moçambique com o próximo [Presidente] que vier, sem ter Nyusi e [Paul] Kagame juntos? Como é que o novo Presidente vai encarar isto? O Presidente Nyusi vai passar a informação para a continuidade ou haverá rutura com o Ruanda? Hoje, o Ruanda tem um espaço privilegiado na segurança de Moçambique e até nos projetos económicos - sabe-se que há empresas [ruandesas] que estão aí presentes. Para garantir a sua presença aqui, o que é que o Ruanda pode ou não fazer?
DW África: Está a querer dizer que o Ruanda pode querer pensar primeiro nos seus interesses...
CD: Isso levanta suspeitas de que o Ruanda pode estar a relaxar um pouco nesta situação da segurança, mas também sabemos da saída das forças da SAMIM [a Missão Militar da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral]. Há um certo relaxamento e isso pode provocar um agravamento [da insegurança] e o Ruanda chamar para si mais protagonismo.
DW África: Esse risco de vácuo, que é também percebido pelos insurgentes, pode jogar a seu favor?
CD: Exato.
DW África: Como colmatar essa situação?
CD: Com o robustecimento das Forças Armadas de Moçambique.
DW África: Mas isso não se faz imediatamente, é algo construído ao longo do tempo.
CD: Aí temos de dizer que falhámos como Estado moçambicano. Estamos há seis anos nesta luta contra o terrorismo e já devíamos ter robustecido esta capacidade. Não se justifica. Temos o conhecimento, isso é verdade, treino, tecnologia e tudo mais, mas falo de um robustecimento em termos de meios, ação, por exemplo com drones, helicópteros, que hoje já devíamos ter.
DW África: Esses são os riscos da personificação dos dossiês do Estado, não é?
CD: Esse é um risco e nós às vezes temos a tendência de ver apenas o lado mau, mas há um lado bom na personificação dos processos. As relações de amizade e proximidade são muito boas na hora de fazer política. Se não tivesse havido esse relacionamento entre Nyusi e Kagame, provavelmente não teríamos conseguido os ganhos que conseguimos até agora. Isso foi facilitado pelo grau de aproximação entre eles.
DW África: E também pelo grau linguístico...
CD: Exato. E a cultura, e por aí em diante.
DW África: A cooperação militar Moçambique-Ruanda deverá continuar nos mesmos moldes com uma nova Presidência?
CD: O próximo que vier não pode cortar isso de forma abrupta se não tiver uma alternativa. Será um tiro no próprio pé.