"Morte de Hanekon é um revés nas relações Moçambique - RSA"
24 de janeiro de 2019Depois de uma detenção irregular, segundo a lei moçambicana, efetuada por militares na província nortenha de Cabo Delgado e após subsequente detenção pela polícia, o empresário sul-africano Andre Hanekom acabou por perder a vida no Hospital Provincial de Pemba.
No dia 19 de janeiro teve convulsões, o que obrigou a sua evacuação para o hospital e no dia 23 morreu.
"Quando entrou no hospital, a primeira suspeita do médico foi de que tinha sido envenenado", conta a viúva Francis Hanekom.
O Ministério Público acusava Andre Hanekom de ser o financiador, logístico e coordenador dos ataques armados contra aldeias de Cabo Delgado. Segundo as autoridades, o objetivo era criar instabilidade para impedir a exploração de gás natural na província. Mas a sua esposa refuta as acusações.
E Francis Hanekom sublinha que na altura da detenção, em outubro de 2018, Andre Hanekom não tinha nenhum problema de saúde: "Nada, nada, nada... Não tomava medicamentos para nada. [Gozava de boa saúde], trabalhava todos os dias com os trabalhadores. Só apanhava malária de vez em quando, mas de resto não tinha problemas. Não tinha diabetes, não tinha nada."
Autópsia sem autorização da viúva
E já nesta quinta-feira (24.01.) as autoridades fizeram a autópsia, a contra-gosto da viúva, deixando-a mais afetada: "Ouvi que o Hospital de Pemba já fez a autópsia sem a minha autorização. O Governo sozinho já fez autópsia sem que eu tenha assinado autorização para isso."
Esta morte acontece depois das autoridades sul-africanas terem prontamente pedido esclarecimentos a contra-parte moçambicana. Inclusivamente o caso foi um dos temas centrais da visita que o Presidente da África do Sul fez à Moçambique no dia 14 e janeiro.
Cyril Ramaphosa e o Presidente moçambicano Filipe Nyusi frisaram a necessidade de se aguardar pelo curso normal da justiça e deixar as instituições competentes realizarem o seu trabalho no âmbito da separação de poderes.
Relações África do Sul - Moçambique afetadas
Será que a morte de Hanekom afetará as relações entre Moçambique e a África do Sul? Silvestre Baessa é especialista em boa governação e responde: "Penso que é um revés muito grande. Quando uma figura desta natureza, que é acusada de ser a promotora de uma ação de violência contra um Estado, morre nas mãos das autoridades desse país é um revés muito grande."
O especialista lembra que "é obrigação do Estado moçambicano zelar pela integridade física, mesmo numa situação em que o cidadão estrangeiro está a ser investigado por crimes que tenham sido cometido nesse país. E olhando para a idade e para o tempo de permanência na cadeia era de se esperar que as autoridades tivessem tomado medidas adicionais de proteção. E isso acaba afetando as relações entre dois estados."
E Baessa ressalta: "Creio que sobretudo para a África do Sul pelo envolvimento do Governo sul-africano ao tentar perceber a ligação de um cidadão seu que vivia em Moçambique há mais de 25 anos e que tinha uma folha limpa até então, isso fere essas relações, até que ponto já é discutível."
O Ministério Público alega que foram encontradas na casa de Andre Hanekom material que prova o seu envolvimento nas incursões armadas - armas brancas, pólvora e arcos e flechas.
Para Silvestre Baessa o caso Hanekom é o espelho do grande desafio que as autoridades moçambicanas têm em acusar ou condenar supostos envolvidos no caso dos ataques em Cabo Delgado. E o especialista em boa governação recorda que julgamentos anteriores relativos aos ataques mostraram uma qualidade fraca em termos de provas.
Autoridades moçambicanas em situação delicada
Como ficam as autoridades na sequência da morte de Hanekom? "O facto da qualidade das provas que são apresentadas serem extremamente fracas, de estar numa situação ilegal em que foram violados todos os outros direitos em termos do que são as regras de direito em relação a isso, e depois tem o facto de ter morrido sob custódia policial. Esses três elementos colocam as autoridades moçambicanas numa situação, de muita fragilidade", responde Baessa.
E finalizando o especialista em boa governação diz que "não há muita confianças nas instituições nem em relação ao sistema de segurança em proteger prisioneiros, assumindo que ele era um, porque foi preso num contexto de semi-guerra. Então, isso coloca o país numa situação muito mais complicada."
Os ataques de homens armados até aqui não devidamente identificados começaram em outubro de 2017 e já fizeram aproximadamente 200 mortos. Também há danos materiais resultantes de incêndios de casas perpetrados pelos atacantes. Embora as forças de defesa e segurança estejam na região não têm conseguido impedir as suas ações.