Morte de Daviz Simango é "momento difícil para a democracia"
23 de fevereiro de 2021Após a morte de Daviz Simango na segunda-feira (22.02), declarações públicas em tom de homenagem e a salientar a contribuição do líder do Movimento Democrático de Moçambique (MDM) para o cenário político do país ressoam entre personalidades, nas redes sociais e nos média moçambicanos.
Nesta entrevista à DW África, o Professor Adriano Nuvunga procura dimensionar o quanto a política moçambicana perde por não contar mais com Daviz Simango entre as suas vozes de maior destaque.
"A morte de Daviz Simango fragiliza a democracia no país porque ele tinha a espinha no lugar", avalia.
O diretor do Centro para Democracia e Desenvolvimento vê o antigo líder do MDM como uma personalidade pública que ajudou a "desmilitarizar" a política em Moçambique.
DW África: O que significa a morte do líder do MDM, edil da Beira e membro do Conselho de Estado para a democracia em Moçambique?
Adriano Nuvunga (AN): É um momento difícil para a democracia moçambicana, é um momento de grande incerteza. Depois de morrer, em 2018, Afonso Macacho Marceta Dhlakama [líder da Resistência Nacional Moçambicana - RENAMO], morreu o edil da Beira, o presidente do MDM, que representava, na verdade, a esperança da democracia moçambicana. Não somente por ser o edil da Beira, a segunda maior cidade [do país], o bastião do pensamento alternativo ao partido no poder com o seu centralismo, mas também sobretudo porque Daviz Simango tinha passado pelo "teste do tempo". Tinha sido sufragado por quatro vezes na Beira. O seu partido atravessava algumas dificuldade, mas estava em crescendo e a encontrar eco numa juventude que precisa de espaço para a expressão política e de alternativa democrática.
DW África: O partido que Daviz Simango fundou, o MDM, acabou com a bipolarização da política moçambicana. Acha que nos esperam tempos em que vamos regressar à bipolarização?
AN: Na verdade, Daviz Simango trouxe um sentido de uma política feita por civis. [Era] uma liderança firme, carismática, mas civil. Neste sentido, ele desmilitarizou a política e a democracia moçambicana. Porque tanto a FRELIMO [Frente de Libertação de Moçambique] como a RENAMO são partidos com origens militares e continuam com o pensamento militarizado - apesar de terem mudado os uniformes militares e usarem gravatas compradas na Europa. Mas continuam militarizados.
DW África: E haverá algumas figuras políticas jovens capazes de lhe suceder, de ocupar o vazio que Daviz Simango deixa na cena política moçambicana?
AN: Se não aparecesse alguém a ocupar este espaço, não estaríamos a honrar a obra e a vida de Daviz Simango, como moçambicanos - como povo e como nação.
DW África: Daviz Simango era uma figura muito carismática, uma figura com história e antepassados políticos. Isso marcou muito a maneira como ele fazia política.
AN: Sem dúvida. Parte daquilo que era a legitimidade de Daviz Simango devia-se às suas origens. Daviz Simango conseguia capitalizar muito bem essas suas origens, este manto que o cobria. E conseguia ser esse líder legítimo, carismático, cuja morte todos choramos hoje.
DW África: A figura do seu pai [Uria Simango, que foi Vice-Presidente da própria FRELIMO mas depois assassinado num campo de reeducação, pois defendeu uma linha diferente da corrente marxista-estalinista que dominou o partido na altura] ajudou a construir a sua política ou foi um entrave para ele se impor na cena política moçambicana?
AN: Fazer política em Moçambique exige coragem. E essa coragem Daviz Simango ficou a dever à bravura do seu pai. Isso é um ponto de entrada. Mas tem de se dizer que Daviz tinha aquilo que se diz que é a espinha no lugar. Era uma pessoa própria, que soube interpretar o contexto político do seu tempo. Por isso, ele se afirmou como o líder que choramos hoje.