Ambições políticas em canais privados prejudicam informação
10 de novembro de 2023Cresce a olhos vistos o número de órgãos de informação privados dirigidos por políticos do partido no poder em Moçambique. Por exemplo, a TV Sucesso é propriedade do deputado da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) Gabriel Júnior. Mas contra todas as expetativas, este canal não dançou ao som da música do regime do dia durante o período das eleições autárquicas.
O jornalista Francisco Carmona achou exemplar a cobertura do canal, que desagradou ao regime do dia. Porém, acha que o seu dono não deu ponto sem nó. "Eu interpreto este posicionamento como o reposicionamento [de Gabriel Júnior] para o futuro. Ele já sabe que este Presidente [Filipe Nyusi] está quase a terminar o seu mandato e os que vêm que vão determinar o futuro do seu canal", argumenta.
"Para sobreviveres em regimes como o nosso precisas de estar encostado ao regime do dia, sobretudo o negócio privado", lembra o jornalista.
Já a MIRAMAR, que tem na liderança outro membro da FRELIMO, José Guerra, candidato a membro da Assembleia Municipal de Maputo nestas autárquicas, foi vaiada e escorraçada de eventos da oposição por favorecer o partido FRELIMO nas suas coberturas, violando preceitos jornalísticos.
Carmona lembra: "De tal sorte que teve problemas para cobrir passeatas da RENAMO em contestação aos resultados eleitorais por causa desse encostamento a FRELIMO. E também a TVM, que é um canal público, encostado ao poder, por isso era expectável."
Cerco à liberdade de imprensa
A cobertura parcial de boa parte da imprensa em eventos eleitorais tem barbas brancas. Porém, para o jornalista fica cada vez mais evidente o aumento do cerceamento da liberdade de imprensa e das vozes discordantes neste processo.
A famosa lista de vozes discordantes proibidas de falar à imprensa, principalmente estatal, é aplicada com maior vigor nesta época.
O académico João Mosca critica: "Eu sei que há pessoas que já há muitos anos não vão a esses órgãos de comunicação, sei que o Jornal Notícias, inclusivamente anúncios pagos, por exemplo, de anúncios de conferências, eles não aceitam, sobretudo de organizações da sociedade civil."
O investigador sublinha que "há um controle absoluto dos órgãos de comunicação sobre o que devem fazer. E não só sobre os órgãos oficiais, também os privados. Já saíram importantes e destacados jornalistas da STV, que foram mandados embora porque a liberdade foi posta em causa."
Onde está o órgão disciplinador?
É caso para se concluir que interesses políticos das lideranças dos canais privados estão a gerar cada vez mais promiscuidade e imoralidade na comunicação social?
"Sim, de alguma forma, sobretudo no setor televisivo. Mas vejo o mesmo fenómeno nos jornais", responde o jornalista Francisco Carmona.
Deturpações que seguem sem freio. Afinal, quem tem a obrigação legal de as limitar?
"Não temos aqui. Temos o Conselho Superior de Comunicação Social que é o garante da independência e também é uma espécie de um órgão disciplinador, mas é uma espécie de leão sem dentes, não tem poderes", conclui Carmona.