Moçambique: Supervisão pode evitar perdas com megaprojetos
22 de fevereiro de 2021O Estado moçambicano concedeu benefícios fiscais no período de 2010 a 2019 no valor de 172 mil milhões de meticais (cerca de 1.884 milhões de euros), mas apenas conseguiu arrecadar 100 mil milhões de meticais com as receitas decorrentes dos megaprojetos. A conclusão é de uma análise feita pelo Centro de Integridade Pública (CIP), em Moçambique, da autoria da investigadora Inocência Mapisse.
Contas feitas, o Estado moçambicano perdeu cerca de 72 mil milhões de meticais (quase 789 milhões de euros) em nove anos à conta dos megaprojetos de exploração de recursos naturais.
"É urgente a revisão dos regimes específicos de tributação e benefícios fiscais das operações petrolíferas e mineiras", afirma a investigadora Inocência Mapisse em entrevista à DW África.
DW África: Quais as principais conclusões desta sua análise?
Inocência Mapisse (IM): Esta análise de custo-benefício teve como pressupostos três aspetos principais. O primeiro pressuposto é que o benefício fiscal constituiu um custo para o país. E sendo um custo é preciso que haja algum benefício. Se se está a conceder algum espaço para uma empresa atuar, significa que o Estado ou Governo deverá ter algum benefício disso. O segundo pressuposto é que a contribuição fiscal direta do setor extrativo é um benefício para o país. Para o custo, que é o benefício fiscal, a contribuição fiscal seria o benefício. E por último, como pressuposto, assumiu-se aqui que os benefícios fiscais que são apresentados na Conta Geral do Estado são referentes a benefícios fiscais concedidos aos megaprojetos.
Como resultado desta análise, o CIP chegou à conclusão que foram concedidos benefícios fiscais no período de 2010 a 2019 no valor de 172 mil milhões de meticais. Mas o país perdeu 172 mil milhões de meticais para ganhar quanto? Chegámos à conclusão de que o país conseguiu arrecadar 100 mil milhões de meticais. Isto significa uma diferença na ordem dos 72,6 mil milhões de meticais que constituiu um custo adicionado que não foi compensado.
DW África: O Governo já não tinha anunciado que iria rever a questão dos benefícios fiscais?
IM: O Governo, de tempos a tempos, anuncia a revisão do regime específico do código de benefícios fiscais do setor extrativo e em 2019 o Governo manifestou esta intenção. No entanto, estamos em 2021 e nada aconteceu.
DW África: Por que motivo há tantos benefícios fiscais? Serão resultado de um forte dispositivo de lobbying por parte das grandes empresas multinacionais?
IM: Eu diria que sim. Em termos de capacidade e poder negocial, as empresas apresentam-se mais fortes do que o Governo. Grande parte dos contratos dos projetos que estão hoje em dia em fase de exploração foram assinados há mais de 10 anos. No entanto, são recorrentes os benefícios fiscais e são redundantes. Por exemplo, se formos olhar para praticamente todos os projetos do setor petrolífero, todos eles têm o benefício de isenção do IVA na importação de bens de capital. Mas, em simultâneo, a maior parte deles tem o benefício da redução da taxa de imposto sobre rendimentos de pessoas coletivas nos primeiros 10 anos.
Existem outros benefícios, que é o caso de empresas como a Vale, que em termos de imposto sobre a produção teve nuances diferentes de outros projetos. Esses benefícios podem surgir por lobby ou porque do lado do Governo houve aproveitamento e, quiçá, essas pessoas que estiveram no processo negocial podem ter-se beneficiado de alguns recursos.
DW África: Os benefícios fiscais são favoráveis às multinacionais ou também às empresas de capital moçambicano?
IM: Na maior parte dos casos, beneficiam as grandes empresas, mas noutros casos beneficiam também as pequenas empresas à volta do projeto.
DW África: Perante esta análise surpreendente, o que é que o CIP e a Inocência Mapisse recomendam?
IM: É urgente que se faça a revisão dos regimes específicos de tributação e benefícios fiscais das operações petrolífera e mineira. É algo que não deve estar fora da agenda do Governo, porque o próprio Governo manifestou em 2019 essa intenção. É preciso apresentar-se na Conta Geral do Estado os benefícios fiscais por categoria para se perceber em termos do setor petrolífero quanto é que foi concedido em benefícios fiscais. É preciso haver uma fiscalização constante dos benefícios fiscais a serem gerados, principalmente no setor extrativo.