Maputo:Jornalistas recorrem à autocensura para se protegerem
3 de maio de 2020O Presidente do Conselho Superior da Comunicação Social, Tomás Vieira Mário, disse à DW África que nos últimos três anos, devido ao conflito violento no norte de Moçambique, registam-se restrições no exercício dos profissionais da comunicação social. "Os principais casos de violação têm a ver com o "blackout” à média na província de Cabo Delgado", disse.
"Esta situação concretiza-se até através da detenção que já ocorreu, de jornalistas", acrescentou Tomás Vieira Mário. Observou que para além do cerceamento à liberdade de imprensa regista-se a detenção ilegal de jornalistas com "desfechos muito mal encaminhados mesmo ao nível judicial".
Detenções de jornalistas
O presidente do Instituto de Comunicação Social da África Austral - MISA Moçambique, Fernando Gonçalves, exemplificou que "muito recentemente houve um caso em Cabo Delgado em que um jornalista que estava a reportar uma ação foi levado para uma esquadra da polícia e as imagens foram apagadas da sua camara de filmagem".
"Estas ações não são dignas de um Estado em que a liberdade de imprensa é respeitada", afirmou Fernando Gonçalves, sublinhando que o ambiente ao exercício da profissão jornalística em Moçambique "é negativo".
Quase vinte organizações expressaram, preocupações ao Presidente da República de Moçambique, Filipe Nyusi, em relação aos relatos de violência contra civis e jornalistas por parte de elementos das forças de segurança, questionando especificamente o desaparecimento de um jornalista. A missiva denuncia o "assédio e intimidação" contra jornalistas por parte destes elementos das forças de segurança, "simplesmente por fazerem o seu trabalho" em Cabo Delgado.
A classe jornalística no país está, igualmente, preocupada com o aumento da autocensura na comunicação social nacional.
Autocensura
Fernando Gonçalves considera que o atual ambiente propicia a autocensura e afirma que alguns jornalistas recorrem a este método como forma de se protegerem. "Esta situação deve ser corrigida no mais breve espaço de tempo possível".
Na mesma linha, Tomás Vieira Mário, presidente do Conselho Superior da Comunicação Social, avança que "há um contexto político, social e económico, que instiga a autocensura em Moçambique".
Tomás Vieira Mário denunciou também o que descreveu como uma espécie de um consenso negativo das autoridades públicas que consiste em ficar em silêncio na divulgação de ações críticas de governação, tendo sublinhado que "isso é uma forma de censura ao público".
Vieira Mário disse que apesar das leis de comunicação social moçambicanas serem bastante progressistas, os servidores públicos ainda não conseguiram mudar aquilo que são práticas nocivas arreigadas da administração pública.
Violações das leis
O Presidente do Instituto de Comunicação Social da África Austral - MISA Moçambique, Fernando Gonçalves considera que a legislação moçambicana é muito propícia ao exercício da liberdade de expressão, mas aponta para violações e abusospraticados por alguns servidores públicos atuando em representação do estado.
"Compete ao estado, ao governo, tomar as medidas apropriadas para que estas situações não ocorram com a frequência que se tem verificado", sublinhou.
Gonçalves defende que um dos principais desafios da classe jornalística no país é continuar a lutar para levar as autoridades e todas as forças vivas da sociedade a perceber que não pode haver democracia sem liberdade de expressão e de imprensa.
Para além da queda do ambiente de livre exercício da profissão jornalística, a qualidade da própria média, sobretudo de televisões, também baixou nos últimos três anos.
Moçambique caiu no índice da Liberdade de Imprensa
A Constituição da República de Moçambique define o Conselho Superior da Comunicação Social como órgão de disciplina e de consulta, que assegura a independência dos média moçambicanos, no exercício dos direitos à informação, à liberdade de imprensa, bem como dos direitos de antena e de resposta.
"Só que a instituição tem poderes muito limitados e não vinculativos que não vão para além de deliberar sobre aspetos morais e éticos", conforme referiu o presidente do órgão, Tomás Vieira Mário. "O nosso foco, neste momento, é transformar o Conselho em órgão regulador, com poderes de inspecionar, sancionar e fiscalizar".
Moçambique desceu um degrau no índice sobre Liberdade de Imprensa divulgado na semana passada (21.04) pela organização Repórteres sem Fronteiras, passando a ocupar a posição 104 de um total de 180 países avaliados.
A organização considera que o país está a palmilhar um "caminho preocupante” marcado por "fortes pressões" e "agressões frequentes" a jornalistas independentes, para além da "quase impossibilidade" de os jornalistas acederem às zonas onde se registam ataques armados no norte do país.