Moçambique:"Na teoria situação está bem, mas na prática não"
23 de junho de 2016Durante a Revisão Periódica Universal de Moçambique, em Genebra, esta quinta-feira (23.06), a Amnistia Internacional (AI) mostrou preocupação relativamente à situação do país no que diz respeito aos direitos humanos.
A organização pede ao Governo moçambicano que realize "investigações imediatas, completas e imparciais" a todas as alegações de execuções extrajudiciais no país, cumprindo os compromissos assumidos no Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU).
Mariana Abreu, enviada da Amnistia Internacional a Genebra, afirma em entrevista à DW África que várias organizações estão "muito preocupadas com a situação".
A representante da AI relembra casos em que a liberdade de expressão foi posta em causa, como a prisão arbitrária de Bernardo Sabão, por alegadamente apoiar a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), o principal partido da oposição, ou o homícidio de Gilles Cistac.
DW África: Durante a Revisão Periódica Universal de Moçambique, a Amnistia Internacional saúda o comportamento e a aceitação por parte de Moçambique das recomendações que tinham sido feitas pelo relator da ONU. No entanto, referem várias questões, como os raptos e abusos que vários moçambicanos têm sofrido. Como é que a AI vê a situação que se está a passar atualmente em Moçambique?
Mariana Abreu (MA): Estamos todos muito preocupados com a situação. É por isso que aqui em Genebra, nas nossas declarações para a Revisão Periódica Universal de Moçambique achamos muito importante focar nessa questão. Diversos países, como a França, Austrália, Gana ou Canadá, apresentaram recomendações para Moçambique para que garanta que questões como execuções extra-judiciais, tortura e maus-tratos sejam objeto de investigações imediatas e imparciais, e o Governo aceitou. Achamos importante lembrar que, em 2011, recomendações muito semelhantes foram feitas ao Governo, que também as aceitou. Só que temos reparado que essas recomendações não têm sido implementadas na prática. Na teoria, está tudo muito bem, mas, na prática, exigimos que isso seja implementado.
DW África: Recentemente, também tivemos o caso do jornalista [José] Jaime Macuane, que foi raptado e baleado. Também se pode ligar este caso à liberdade de expressão e aos ataques à liberdade de expressão dos moçambicanos?
MA: Sim, sem dúvida, que podemos ligar o caso do jornalista [ao caso de Gilles Cistac e Bernardo Sabão]. E é exatamente isso, porque há essa questão do conflito político-militar FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique) e RENAMO (Resistência Nacional Moçambicana), mas na questão do jornalista, e até do professor Gilles Cistac, são realmente ameaças à liberdade de expressão. São pessoas que estavam a levantar questões que, de certa forma, incomodam aqueles que estão no poder ou até levantam críticas. E esses atentados e essas execuções extra-judiciais acabam por levar à morte de muitas pessoas e são uma forma de silenciar, sim, e também uma forma de passar um recado para que outros realizem uma auto-censura e pensem duas vezes antes de dizer alguma coisa que possa aborrecer o Governo.
DW África: Este sábado (18.06) houve uma marcha pacífica no centro de Maputo que, para além de pedir o esclarecimento da dívida e mais transparência política da parte do Governo moçambicano, também pedia mais liberdade de expressão. Ressalvaram casos como estes de que já falamos aqui e também o facto de já por duas vezes outras instituições terem pedido para fazer manifestações contra o Governo e essas manifestações terem sido canceladas. Como é que isto é visto pela AI? Também como uma forma de cortar a liberdade de expressão dos moçambicanos?
MA: [Negar] essas tentativas de manifestações, negadas pela falta de autorizações, vai contra as obrigações internacionais de direitos humanos de Moçambique. Os instrumentos internacionais de direitos humanos aos quais Moçambique está obrigado [a responder] dizem que manifestações pacíficas não têm que ser autorizadas. O que se pode exigir é que haja uma notificação, mas a necessidade de autorização é completamente ilegal. Aproveito para mencionar, porque a Liga de Direitos Humanos foi uma das ONGs (Organização Não Governamental) que participou na organização dessa marcha e, em conversa com a presidente da Liga, Alice Mabota, ela disse que, pouco antes dessa marcha, recebeu mensagens anónimas ameçando-a de morte e encorajando-a a não participar na manifestação. Ela está aqui em Genebra para denunciar essa situação. Nós consideramos isso muito sério e também representa uma ameaça à liberdade de expressão e ao espaço da sociedade civil como um todo.
DW África: No documento, também referem os abusos aos direitos humanos que são cometidos nas indústrias extrativas do país. Que tipo de abusos é que a Amnistia tem vindo a encontrar?
MA: Na verdade, é muito heterogéneo. Vemos reassentamentos forçados, que não seguem não só as obrigações internacionais, como também o próprio decreto moçambicano, que é uma lei ótima mas que, na prática, verificamos que isso não tem sido respeitado. Mas também violações de direitos económico-sociais e culturais. Essas empresas que vêm para Moçambique com o discurso de promover o desenvolvimento, na prática, o que nós verificamos nas nossas missões é que esse desenvolvimento, na verdade, não tem contribuído para que essas comunidades que vivem nessas áreas onde essas empresas têm trabalhado possam desenvolver-se e melhorar de vida.