Moçambique: PGR alerta para "instrumentalização de reclusos"
28 de abril de 2022Com a prisão de "indivíduos associados ao crime de terrorismo", existe um "risco de instrumentalização dos reclusos, que posteriormente poderão ser usados para a prática de atos terroristas", disse hoje a Procuradora-Geral da República (PGR) de Moçambique, Beatriz Buchili, na Assembleia da República (AR), no segundo e último dia dedicado à informação anual da PGR ao parlamento.
A lotação das cadeias moçambicanas não permite a ressocialização e reinserção social dos reclusos, expondo-os a vulnerabilidades e ao recrutamento por grupos criminosos, acrescentou.
"Temos constatado que alguns dos autores de crimes são reclusos julgados e condenados em processos anteriores, que, tendo sido restituídos à liberdade por cumprimento integral da pena ou ao abrigo da liberdade condicional, reorganizam-se e voltam à mesma atividade criminosa", assinalou.
Priorizar o setor penitenciário
Em forma de apelo aos deputados da AR, por ser o órgão que aprova o Orçamento do Estado, Beatriz Buchili questionou se já não é tempo de o "setor penitenciário" ser prioridade na alocação de verbas estatais.
Essa atenção especial, prosseguiu, deve ser dada à construção de novas cadeias, principalmente nos distritos, onde vive a maioria da população.
Outra consequência da superlotação das prisões é a incapacidade de colocar os prisioneiros em função da idade, sexo, condição física ou mental e grau de risco ou perigo, declarou a chefe da magistratura do Ministério Público.
Na informação anual que prestou à AR, Beatriz Buchili disse que as cadeias moçambicanas albergam mais do dobro da sua capacidade e alojavam até dezembro último mais de 18.700 reclusos contra cerca de 8.500 camas.
O país conta com 157 unidades penitenciárias.
A referência que Beatriz Buchili fez hoje ao risco de "instrumentalização pelo terrorismo" nas cadeias moçambicanas tem a ver com o facto de os grupos armados que protagonizam ataques na província de Cabo Delgado, norte do país, desde outubro de 2017, serem descritos pelo Governo moçambicano e entidades internacionais como "terroristas".
Alguns dos ataques realizados por aqueles grupos foram reivindicados pelo grupo terrorista Estado Islâmico.
Há 784 mil deslocados internos devido ao conflito, de acordo com a Organização Internacional das Migrações (OIM), e cerca de 4.000 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED.
Desde julho de 2021, uma ofensiva das tropas governamentais com o apoio do Ruanda a que se juntou depois a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) permitiu recuperar zonas onde havia presença de rebeldes, mas a fuga destes tem provocado novos ataques noutros distritos usados como passagem ou refúgio temporário.