Moçambique "pode entrar numa situação de caos mais profundo"
3 de dezembro de 2024Em entrevista à DW, o analista político André Mulungo diz que a única via para o fim da crise política em Moçambique passa por um diálogo genuíno, sem armadilhas. Isto, apesar de, neste momento, tanto a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), partido no poder, como o Presidente da República, Filipe Nyusi, mostrarem pouco interesse nesse diálogo, segundo o analista.
André Mulungo alerta que se o Conselho Constitucional validar os resultados eleitorais divulgados pela Comissão Nacional de Eleições (CNE), que dão a vitória à FRELIMO nas últimas eleições gerais de 9 de outubro, a situação no país pode piorar.
Moçambique vive um cenário de protestos violentos, com o registo de dezenas de mortos desde o início da preparação do ato eleitoral.
DW África: Moçambique está a atravessar uma crise grave?
André Mulungo (AM): É um momento de crise. É uma crise histórica sem precedentes. É uma crise política, mas também uma crise de direitos humanos com cerca de 60 pessoas assassinadas pela polícia durante as manifestações, com mais de 1.000 pessoas feridas entre graves e ligeiros e mais de 4.000 pessoas detidas arbitrariamente. E o país, na verdade, está paralisado. Ele funciona com alguns intervalos.
DW África: Como é que se pode sair dessa crise?
AM: Moçambique vive ciclicamente de crises pós-eleitorais e esta não seria a primeira vez. O diálogo foi sempre a saída encontrada para a crise. No passado, o diálogo foi sempre entre o Governo da FRELIMO e a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO). Sabia-se mais ou menos quando é que esta crise começava e quando é que terminava. Quando a RENAMO tinha armas, assistíamos a cenários de bloqueio da estrada nacional número 1 (EN1) e depois a ataques na zona rural. Neste momento, a coisa mudou e o conflito é mesmo nas zonas urbanas.
Não se sabe como é que isto pode terminar. Como em todos os conflitos, só pode terminar com o diálogo, mas esse diálogo deve ser genuíno, sem armadilhas. Deve ser um diálogo visando efetivamente tirar o país da crise.
DW África: Há probabilidade de que haja conversações entre Venâncio Mondlane e o Presidente, assim como os outros candidatos?
AM: O facto de o Presidente não ter feito referência ao facto de ter recebido um documento de Venâncio Mondlane, parece-me que não há assim muito interesse por parte do Governo da FRELIMO, que, como sabe, é o beneficiário da fraude. Não me parece que haja interesse mesmo de se avançar para o diálogo, porque se houvesse interesse, acredito que o diálogo já estaria a acontecer.
DW África: Se o Conselho Constitucional decretar a vitória da FRELIMO, os protestos irão continuar?
AM: Com possibilidade de piorar, porque apesar de se saber qual é a tendência do Conselho Constitucional, ainda estão ali sem certezas do que pode acontecer. Depois de haver a validação e essa validação for no sentido de satisfazer os interesses do Governo do partido FRELIMO, aí os ânimos vão subir e o país pode entrar numa situação de caos mais profundo.