Moçambique: Polícia reprime marchas de homenagem a Azagaia
18 de março de 2023Milhares de manifestantes concentraram-se, na manhã deste sábado (18.03), numa das mais movimentadas avenidas no centro da capital Maputo, para cantar "Povo no Poder", a mais notável música do rapper Azagaia.
A marcha, que foi autorizada pelas autoridades municipais, foi programada para um percurso que iria desaguar na Praça da Independência, centro da capital. No entanto, a polícia não quis ouvir as justificações dos organizadores sobre a legalidade da marcha e lançou gás lacrimogéneo.
"Os mesmos que nos autorizam" a marchar, deram "ordens superiores" à polícia para atacar os participantes, referiu Quitéria Guirrengane, uma das organizadoras.
Manifestantes criticam governo
Para além de dísticos com mensagens a homenagear o músico, os manifestantes aproveitaram também para criticar o governo. O analista e um dos organizadores do evento, Wilker Dias, não tem dúvidas: "os cartazes com esses dizeres têm razão de ser, porque o Azagaia criticava o que está a andar mal em Moçambique".
Também em declarações à DW, esta manhã, o presidente da Associação Rede de Direitos Humanos, Sérgio Matsinhe, diz que "os pensamentos do Azagaia estão a ser alvo de perseguição. As pessoas que tentam implementar as ideias do Azagaia são silenciadas".
Os manifestantes, sobretudo jovens, entoaram canções, não só do Azagaia, mas de outros músicos, para lançar farpas ao partido no poder FRELIMO.
Aos olhos de Wilker Dias, "as pessoas estão apenas a marchar para preservar o legado do músico como ativista".
Sem causar distúrbios, os manifestantes tiveram que fugir da polícia, que não parava de disparar gás lacrimogéneo, acabando por se concentrar no chamado jardim dos Madgermanes.
A polícia seguiu-os, invadiu o espaço e disparou novamente gás lacrimogéneo. Uma ação que Wilker Dias critica: "a manifestação é um direito constitucional e a polícia está a violar esse direito", disse.
Também o ativista Sérgio Matsinhe aponta o dedo à atitude da polícia. E deixa um elogio à coragem dos manifestantes que enfrentaram a corporação.
"As pessoas estão cansadas dos inúmeros problemas sociais que estão a acontecer em Moçambique", frisa.
As avenidas adjacentes ao jardim dos Madgermanes foram igualmente ocupadas por manifestantes, que cantaram e insultaram a polícia, que não parou de os perseguir.
"A democracia não se faz sentir sem uma manifestação, o governo deve valorizar o povo", acrescentou o ativista Wilker Dias.
O tráfego esteve condicionado numa secção da avenida 24 de julho, outra das mais movimentadas no centro da capital, que passou a ser palco das manifestações populares. E foi assim durante quase toda a manhã deste sábado.
22 detenções e um ferido
Políticos da oposição, nomeadamente da RENAMO, MDM e o Partido Ecologista os Verdes, marcaram presença na marcha.
O delegado político do MDM, Augusto Pelembe, acabou por ser detido durante as manifestações, mas depois libertado.
A Associação Rede dos Direitos Humanos anuncia 22 detenções e durante as manifestações houve um ferido ligeiro e outras pessoas, sobretudo vendedores informais, sentiram-se mal por causa dos efeitos do gás lacrimogéneo.
Vários internautas e caras conhecidas da sociedade civil usaram as redes sociais para denunciar o comportamento da polícia.
Cenário repete-se na Beira
Também na cidade da Beira, a polícia deteve pelo menos dez pessoas, após confrontos com participantes que tencionavam participar na marcha de homenagem a Azagaia.
Primeiro, o comando provincial de Sofala garantiu que a marcha podia ter lugar nesta manhã de sábado, desde que sem distúrbios. Segundo os organizadores, o comandante Joaquim Sive deixou apenas alguns apelos: "não façam a marcha com instrumentos contundentes, não se desviem do itinerário pré-indicado, não insultem...", entre outros.
Estranhamente, esta manhã, quando se preparavam para iniciar o evento, centenas de participantes viram-se cercados por carros blindados e polícia de várias especialidades. Jossias Sixpense, um dos organizadores da manifestação, diz olhar para esta ação policial "com muita preocupação", "porque estamos um país onde há leis e nós seguimos todas as normas instituídas na Constituição".
Ao final da manhã, pelo menos dez pessoas foram detidas por várias horas. Deste número, pelo menos oito foram colocados em liberdade. Um dos detidos foi o presidente da Assembleia Municipal da Beira, Ricardo Lang.
Jossias Sixpense diz esperar que a polícia venha a público explicar por que impediu a marcha e marcar uma nova data para que os moçambicanos expressem a sua vontade.
Em Chimoio, capital provincial de Manica, também no centro do país, as três organizações que estavam a preparar a marcha anunciaram o seu cancelamento, na manhã deste sábado, sem explicações para a decisão.
A única cidade moçambicana que acolheu a marcha em homenagem ao "músico do povo" Azagaia foi a cidade de Quelimane, onde o edil Manuel de Araújo participou, empunhando na mão esquerda a Constituição da República de Moçambique.
A manifestação pacífica mobilizou vários munícipes, incluindo ciclistas.
Luta deve continuar
Ativistas e organizações da sociedade civil afirmam que a luta deverá continuar e o rapper Azagaia será homenageado "todos os dias 9 de Março de cada ano com saraus culturais, teatro, música entre outras manifestações culturais", frisou Wilker Dias.
Já na terça-feira, o funeral de Azagaia em Maputo tinha juntado milhares de pessoas, mas o cortejo foi bloqueado por blindados e polícia fortemente armada que disparou gás lacrimogéneo num ponto do percurso que passaria em frente à residência oficial do Presidente da República.
Artigo atualizado às 18h32 (CET) de 18 de março de 2023.