Moçambique: Reações da FRELIMO foram apenas "um formalismo"
24 de outubro de 2024Em entrevista exclusiva à DW África, o pesquisador João Mosca, do Observatório do Meio Rural, aborda a postura da FRELIMO, partido no poder em Moçambique, nos mais recentes incidentes ocorridos em Moçambique.
João Mosca fala ainda das tensões internas que refletem uma disputa por recursos e negócios, além da falta de abertura ao diálogo com outros setores da sociedade, principalmente em momentos de tensão.
DW África: Os considerados "guardiões morais da FRELIMO" repudiaram prontamente os assassinatos de Elvino dias e de Paulo Guambe, enquanto a FRELIMO que governa mostrou por algum tempo indiferença. Que sinais exterioriza a FRELIMO com essa dualidade de atitudes?
João Mosca (JM): Dentro da FRELIMO existem várias correntes. E isso significa que o posicionamento que eles têm em relação ao que se está a passar em todo o país revela claramente essas diferenças. As correntes têm fundamentalmente a ver com a questão do acesso a recursos e negócios.
Os que repudiaram estas manifestações fizeram-no através de intervenções muito suaves, quase que obrigatórias numa situação destas, mas mantiveram um certo equilíbrio e um certo "não pisar a linha vermelha interna" da FRELIMO. Não nos podemos esquecer que estamos num momento de transição para uma possível nova governação da FRELIMO e todas essas pessoas que já intervieram estão a posicionar-se para ter uma maior ascendência e maior protagonismo, não só interna como externamente.
DW África: Foi apenas um formalismo, a seu ver?
JM: Foi claramente um formalismo, porque as pessoas que fizeram essas declarações, no passado, foram pessoas não menos violentas ou agressivas do que estas manifestações que estão a acontecer. Foram protagonistas de situações de conflitualidade muito alta. E agora são eles que, de uma forma um pouco oportunista, ou pelo menos conveniente, perante a situação, se vêm manifestar desta forma tão suave para que os seus posicionamentos não fiquem comprometidos à posteriori.
DW África: Vê a atual FRELIMO, considerada tirana e gananciosa, pronta para negociar um possível governo de unidade nacional, como pretendem alguns setores da sociedade moçambicana?
JM: A FRELIMO não tem qualquer tradição de negociação, desde a sua fundação, em 1962. Sempre foi um partido autoritário, monopartidário. Foi um partido, inclusivamente, de génese militar, e esse militarismo mantém-se.
Fazer alianças com outras forças pode ter várias interpretações. Primeiro, procurar uma situação de maior estabilidade interna para que os negócios possam funcionar com relativa estabilidade política e tranquilidade no país - daí captar mais investimento externo e mais donativos externos. Por outro lado, fazer com que essas novas possíveis alianças ocupem também alguns posicionamentos de natureza económica, mas sempre numa situação absolutamente subalterna.
Mas eu não creio que o processo de alianças com outras forças possa acontecer, até porque a RENAMO e o MDM possivelmente irão ter uma quebra muito alta [nas eleições geraisde 9 de outubro]. Até se fala que a própria RENAMO tenha enchido urnas para aumentar a sua participação e garantir o tal segundo lugar [da oposição].
DW África: Ou seja, até na fraude, desta vez, a RENAMO poderá ter compactuado com o partido no poder…
JM: Esse pacto não é de agora. Desde a morte de Dhlakama, tem-se assistido a um conjunto de pactos silenciosos ou de distribuição de alguns recursos pelas elites da RENAMO.
Estes pactos servem fundamentalmente para distribuir pela RENAMO algumas cadeiras de poder - de muito baixo nível hierárquico - dentro da estrutura do Estado ou de outras instituições. Há também uma distribuição de negócios a um nível muito baixo, porque as principais famílias que existem dentro da FRELIMO dominam completamente os setores fundamentais da economia moçambicana.