Moçambique: Receitas do gás são incertas, diz o CIP
6 de junho de 2017O Governo moçambicano e o consórcio liderado pela ENI oficializaram recentemente o início do processo de produção de gás na área 4 da Bacia do Rovuma. Prevê-se que o Estado arrecade cerca de 16 mil milhões de euros em trinta anos. Mas tudo depende de uma variável: o preço do gás. Entretanto o preço acordado entre a ENI e a BP mantém-se no segredo dos deuses. Sobre o assunto a DW África ouviu Fátima Mimbire do Centro de Integridade Pública (CIP) de Moçambique.
DW África: Restava outra alternativa ao Governo moçambicano?
Fátima Mimbire (FM): É preciso notar que o Goveno moçambicano está numa situação bastante sensível em termos negociais. A nível internacional as agências de notação colocam o país no cesto do lixo, o que significa que não tem credibilidade. E estamos a dizer que para o projeto de LNG (Gás natural Liquefeito) as empresas tiveram de ir ao mercado internacional buscar dinheiro e tiveram aceitação de quinze bancos, conforme foi mencionado pelas próprias empresas. E é óbvio que na situação em que o país está para se poder ter acesso ao financiamento para um projeto de grande envergadura como este [é difícil], hoje fala-se em oito biliões mas até o ano passado quando o Governo aprovou o plano falava-se em dez biliões. E quando a empresa no seu comunicado de imprensa, a quando do lançamento do projeto, menciona os acordos de financiamento, fica claro que se estava a dar garantia pública do Governo moçambicano de que as empresas teriam primeiro facilidades para pagar o financiamento antes de pagarem a receita para o Estado.
DW África: A partir de quando o país deve começar a usufruir das receitas?
FM: Uma receita que é garantida no início é dos royalties, o imposto de produção. Agora, a maior discussão há-de ser obviamente sobre o IRPC, Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas, e ao nível dos dividendos da participação da ENH (Empresa Nacional de Hidrocarbonetos), sobretudo pela forma como ela vai ter acesso aos financiamentos. É preciso também que o Governo divulgue publicamente os termos em que a ENH negociou para poder ter acesso ao financiamento e também em termos de partilha do próprio gás natural. E é preciso mencionar que o Governo de Moçambique abriu mão da sua parcela do imposto do recebimento do gás natural em espécie e colocou tudo no mesmo pacote de venda. Portanto, o Estado não vai ficar com nenhuma parte, vai vender tudo e receber o dinheiro dessa venda. Mas se olharmos para a lógica de arrecadação de receitas no ciclo de vida de um projeto de gás natural, nos primeiros oito anos as receitas são muito baixas. Só depois começa a haver uma ligeira subida e aos 15 anos são significativas e mantém-se nesse nível. No caso em concreto pode ser que o período [de receitas baixas] não seja só de oito anos, pode ser mais alargado.
DW África: Falando em transparência, isso é algo que também está a faltar na publicação relativa ao preço de venda do LNG acordado entre a ENI e a BP...
FM: Claramente. O que esperamos, em princípio, é que o preço acordado seja o do mercado. Contudo é preciso salientar que para se poder fazer as projeções de receitas e ganhos para a empresa e para o próprio Estado tem de se considerar o nível de preço. E primeiro, esse nível de preço não sabemos qual é. E o segundo aspeto é: será que a ENI e a BP negociaram um acordo em que se estabelece que o preço de venda do LNG há-de ser o preço de mercado? Se assim for falta transparência. Eles devem dizer-nos publicamente qual é o preço que foi acordado, se vai ser preço de mercado ou fixo, tal como aconteceu com a SASOL, por exemplo. Se for um preço de mercado é mais transparente esse método, mas é preciso ter em conta que dependendo do contexto as previsões feitas de receitas para o Estado podem acontecer aqueles níveis que se prevêm ou não. Portanto, é preciso tornar essa informação pública. E se for preço de mercado penso que não há nada a esconder.