Moçambique vai falhar pagamento da prestação da dívida?
10 de janeiro de 2017O ministério das Finanças tinha já lançado o alerta: a situação do país não permitiria cumprir estas obrigações. Por outro lado, os credores não parecem disponíveis para aceitar a renegociação da dívida proposta por Moçambique. Ao mesmo tempo, o país continua em negociações com o Fundo Monetário Internacional para o restabelecimento da ajuda financeira.
A DW África ouviu o economista moçambicano João Mosca, que fala num "ciclo vicioso de não pagamento”, embora defenda que o país tem de pagar as suas dívidas.
DW África: Acha que Moçambique vai falhar o pagamento da prestação da dívida pública?
João Mosca (JM): Acho que todos os sinais que existem no mercado e a disponibilidade de fundos indicam que vai haver incumprimento. Não se espera que haja alguma cobertura sobre os próximos pagamentos. Inclusivamente, por parte da governação, já algum discurso indicou essa possibilidade. Estamos aqui num ciclo vicioso de não pagamento. Os pagamentos agendados não poderão ser cumpridos enquanto o problema fundamental da economia moçambicana - relacionado com a dívida e com a situação das relações internacionais, sobretudo com o FMI - não estiver resolvido. Por outro lado, nada indica que, tendo em conta as condições necessárias, que o FMI e a cooperação internacional comecem a libertar, mesmo que em novos moldes, mais recursos. Isto ainda levará algum tempo, uns meses pelo menos.
DW África: Que consequências poderá ter uma eventual falha no pagamento?
JM: Os níveis de classificação do rating vão baixar, o que significa pouca confiança na economia moçambicana, reservas fortes acrescidas dos investidores internacionais. Eventualmente, haverá uma subida das taxas de juro sobre a dívida, o que se reflete necessariamente na balança de pagamentos e na capacidade de importação, nas divisas e também nas taxas de câmbio. Internamente, com certeza haverá maiores cortes, mais austeridade no Orçamento do Estado, sabendo que, neste momento, o Estado representa mais de 40% da economia nacional. Haverá consequências no investimento público, no emprego. Prevê-se que poderá haver não uma sustentação da crise, mas algum agravamento nos próximos tempos.
DW África: Alguns analistas dizem que as autoridades moçambicanas têm liquidez suficiente para fazer este pagamento, mas acreditam que Moçambique não vai pagar, tendo em conta o desejo das autoridades de renegociar os termos da dívida. Concorda?
JM: Uma coisa é ter recursos para pagar e depois ficar com a panela vazia. Se tivesse capacidade, pagaria. Não estaria à espera de novas negociações, na medida em que se sabe perfeitamente quais são as consequências do incumprimento dos pagamentos. Se não paga, ainda que os recursos sejam suficientes para pagar a próxima tranche da dívida, é porque iria contrair situações de muito maior precariedade. Há aqui um jogo entre o que se paga e a disponibilidade que resta. Moçambique está a jogar diplomática e politicamente, num vai e vem com a comunidade internacional, o FMI. Penso que estas entidades já estão relativamente cansadas e duvido que entrem neste jogo de vai e vem, de pressões.
DW África: Por outro lado, há também quem considere que Moçambique não deve pagar as chamadas "dívidas escondidas", classificadas como inconstitucionais e ilegais. Concorda? Ou acha que Moçambique deve pagar estas dívidas?
JM: Na opinião pública moçambicana essa é a opinião mais generalizada. Houve apenas duas vozes em Moçambique que defenderam o pagamento da dívida: eu e o economista António Francisco. Mesmo que as dívidas sejam inconstitucionais, ilegais, mesmo que tudo isto seja verdade, Moçambique deve pagar as suas dívidas. São compromissos perante terceiros, que custaram dinheiro a Moçambique. Não só por questões de ética capitalista, como também pelas consequências que Moçambique terá não pagando ou não reconhecendo a dívida. Em termos económicos, o não pagamento traz consequências muito mais graves.