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Moçambique: Venda das ações da Vale é uma "faca espetada"

24 de março de 2022

Jurista Júlio Calengo considera que a venda das ações da Vale, em Tete, à Vulcan Resources é um sinal de desrespeito para com Moatize. Para o ativista, a população sente-se ignorada e começa "a não ter nada a perder".

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Mosambik | Kohlemine in Tete
Mina de carvão da Vale em TeteFoto: Estacio Valoi/DW

O Governo moçambicano autorizou, na quarta-feira (23.03), a transmissão indireta da totalidade da participação social da Vale Moçambique na mina de Moatize, na província central de Tete, para a Vulcan Resources do grupo indiano Jindal. O negócio foi orçado em 270 milhões de dólares, cerca de 245 milhões de euros, segundo dados anunciados em dezembro. 

A decisão surge um mês depois de um grupo de 29 organizações da sociedade civil moçambicana ter submetido uma carta ao ministério do Recursos Minerais e Energia, pedindo que se travasse a venda das ações da Vale em Tete, antes que a empresa resolva todos os seus pendentes com as comunidades locais.

Em entrevista à DW África, o jurista e ativista social Júlio Calengo, que vive em Tete, acusa o Governo de ignorar os apelos da sociedade civil.

Júlio Calengo
Júlio Calengo, jurista e ativista social Foto: DW/A. Zacarias

DW África: Como é que a sociedade civil reage a esta decisão do Governo moçambicano?

Júlio Calengo (JC): Esta notícia só nos deixa cada vez mais indignados, porque é que nem uma faca espetada no coração da gente. O sofrimento dura há muitos e muitos anos. Hoje, observamos a fuga de responsabilidades da empresa [Vale Moçambique] de uma forma cruel, de uma forma arrogante, porque era suposto, pelo menos ao nível da empresa, abrir um espaço de comunicação fiel a todos os que estão a ser afetados com o que está a acontecer. Todas as informações que nos chegam, chegam através de vias externas e não de vias internas.

DW África: Perante esta situação, qual é o próximo passo para as organizações da sociedade civil?

JC: Nós já fizemos a nossa parte. Procurámos despertar o perigo, sobretudo na prevenção de conflitos na província e no país. Esta carta é mais um sinal, como quem diz: "se vocês avançarem desta forma, a situação do conflito vai prevalecer e não é bom". Estamos indignados.

DW África: E nesse caso, acha que o Governo ignorou por completo os apelos das organizações da sociedade civil?

JC: Ignorou por completo. Em casos de conflitos, nós queremos distanciar-nos. O alerta chegou e o que nos preocupa é que não haja mais conflitos. Até neste exato momento, ainda temos pessoas a sofrer. Não é muito aconselhável o que está a acontecer. Penso que o mínimo que devia haver é consideração e respeito. 

DW África: Ao proceder-se desta forma, estaria a legitimar-se aquela ideia de que o Governo está para os poderosos e não está para os mais pobres?

JC: Infelizmente é a leitura que se pode fazer neste exato momento, porque se se preocupassem em ouvir a voz daqueles que têm voz, estaríamos a ter uma outra leitura neste exato momento. Nós queremos encorajar a que se crie uma comissão que possa trabalhar com as organizações no sentido de as organizações se sentirem consideradas e respeitadas. As organizações têm contribuído para a política desta província e deste país.

Mosambik | Trockenheit durch Kohlemine in Tete
Populações sentem-se esquecidas e ignoradas pelo Governo em MaputoFoto: Estacio Valoi/DW

DW África: Uma das críticas que também tem sido colocada atualmente é que se está a fazer a venda dos ativos da Vale na mina de Moatize a um grupo, o Jindal, que também é problemático na província de Tete.

JC: Este é o maior problema neste momento para a população. Conhecendo o histórico da Jindal, trata-se de um megaprojeto e tem um histórico negativo no respeito pelos direitos humanos. Só para reassentar a população levou muito tempo. Houve mortes, greves, manifestações...

DW África: Está a tentar dizer que se prevêm dias piores para a população de Moatize?

JC: Sem dúvida. Esperamos ter momentos muito difíceis, porque a população já está cansada. Ela sente que não tem nada a perder. Eles acabam até por dizer que mais vale não termos estas empresas, porque não ajudam em nada na vida dos moçambicanos, na vida das comunidades.

DW África: A população de Moatize continua marginalizada?

JC: Continua na mesma. Não temos evidências de desenvolvimento, nem de mudanças, nem de inovação. Há muita responsabilidade que as empresas deviam ter e que não estão a ter.

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