Mulher no centro de produção teatral moçambicana-alemã
19 de fevereiro de 2018O belo e o feio que se acredita existirem numa mulher confrontam-se em palco. Na tragédia grega, estilo que inspirou a peça de teatro, Medeia é a esposa estrangeira, indesejada, traída, alvo de zombaria, com a sua liberdade limitada e que mata os seus próprios filhos. Uma história criada há 2.500 anos, que retrata vários dilemas da mulher, e que continua atual, como lembra Manuela Soeiro, diretora do Mutumbela Gogo, grupo moçambicano que participa na co-produção.
Para Soeiro, o tema "reflete o que estamos a passar não só em Moçambique, mas também na Europa - de formas diferentes, a verdade é que ainda existe esse problema, ela [a mulher] ainda tenta conquistar o seu lugar na sociedade, o que é muito difícil. Ela já deu grandes passos, mas a verdade é que os problemas continuam."
O outro lado da co-produção é alemão, com um elenco do Theater Osnabrück. Talvez justamente a participação dos grupos de dois países completamente diferentes tenha permitido à peça ir além da tragédia grega, ao apresentar mais do que uma Medeia. Não é por acaso que o título da peça é "Medea2: dois mundos, uma narração".
Quando a língua deixa de ser uma barreira
Ao todo, são seis atores, três de cada país: duas Medeias, duas Creusas e os dois maridos das Medeias. E algo incomum: duas línguas em simultâneo no palco e sem tradução, o alemão e o português. A convivência linguística é apreciada por Manuela Soeiro, que vê este modelo como uma formação para si e para o seu grupo.
"Nós em Moçambique temos várias línguas e temos o português, que é a língua comum. E isto é uma forma de vermos como é que, não deixando de falar o português, não deixamos de falar as outras línguas. Fazermos sem ficarmos sujeitos a criar dificuldades para as pessoas entenderem a peça, como fazer com que o público participe na peça. São técnicas avançadas que podemos aplicar no nosso trabalho", diz Manuela Soeiro, já de olho no futuro.
Também para o diretor alemão Dominique Schnizer, a variedade linguística foi um dos grandes desafios desta peça. É que o inglês e o rhonga também foram línguas de trabalho.
Mas, para Schnizer, uma grande satisfação é ver tanto a sua evolução, como a dos seus parceiros.
"Foi muito bom termos trabalhado com a grande família do Mutumbela Gogo. Conheço o grupo há 15 anos e crescemos juntos, tivemos novas experiências. É muito bom porque notamos que há um desenvolvimento, novos temas e novas formas que desenvolvemos. É uma mais valia para mim e para todos que estão na produção e esperamos que também tenha sido proveitoso para o Mutumbela Gogo", afirmou.
Novos laços, a procura de algo em comum
Mas há também, entre a equipa alemã, participantes que não conheciam o teatro moçambicano até há bem pouco tempo. Peters Jens, dramaturgo do Medea2, era um deles: "Primeiro, fiquei muito curioso para conhecer o grupo e os atores. Em novembro passado, estive pela primeira vez em Moçambique, onde os pude conhecer no palco do Teatro Avenida."
"Tentámos ir de encontro à cooperação, mas perguntava-me que tipo de experiência tinham, o que já tinham feito, que estilos preferiam e em que medida as tradições eram diferentes das nossas e o que era preciso investir para encontrarmos uma linguagem comum", questionava-se o dramaturgo.
O texto de "Medea2: dois mundos, uma narração" foi adaptado pela escritora moçambicana Paulina Chiziane para um projeto de Manuela Soeiro e do diretor alemão Dominique Schnizer, com o apoio do Goethe Institut. Ainda este ano o Medeia2 correrá palcos moçambicanos: Maputo, cidade de Nampula e Ilha de Moçambique. Nos dois últimos lugares, as mulheres têm bastante poder social, pois predominam na região norte as sociedades matriarcais.