Mundial 2030: Portugal, Espanha e Marrocos candidatam-se
29 de novembro de 2018Pode ser um marco histórico, com implicações que ultrapassam a dimensão desportiva e se centram nas componentes diplomática e geopolítica. Espanha, Marrocos e Portugal chegaram já a um acordo de princípio para estudarem uma candidatura conjunta à organização da fase final do Campeonato do Mundo de futebol de 2030.
A suceder, será a primeira vez na história que é formalizada uma proposta de três países pertencentes a dois continentes e confederações distintos. A Europa e a África podem assim juntar-se numa celebração "de fraternidade, de amizade e de cooperação", como sublinhou Pedro Sánchez, chefe do Governo espanhol, dando conta dos contactos com os homólogos marroquino e português.
Infantino quer Mundiais mais amplos
É uma das intenções reveladas por Gianni Infantino quando assumiu a presidência da FIFA: um Mundial maior, com 48 seleções, mais jogos, mais estádios, mais adeptos e organizado por mais países. O sinal foi já dado com a outorga ao Canadá, aos Estados Unidos da América e ao México da organização da prova em 2026. Pertencendo à mesma confederação continental (CONCACAF), os três países juntam-se para a primeira fase final "aumentada", oferecendo uma dimensão verdadeiramente continental ao certame.
"Centenário" da prova: comemoração no Uruguai?
Para 2030, e observando alguma rotação entre continentes, há uma candidatura já anunciada: Uruguai, Argentina e Paraguai querem comemorar o primeiro centenário do Mundial de futebol - a primeira edição decorreu em 1930, justamente no Uruguai.
Este é, portanto, um argumento de muito peso, acrescendo o facto de o atual presidente da CONMEBOL, a confederação de futebol da América do Sul, ser o paraguaio Alejandro Dominguez. Aliás, esta deverá ser a candidatura que maiores problemas poderá trazer ao trio euro-africano formado pelos dois países da península ibérica e pelo Reino de Marrocos.
Marrocos "repete" candidatura
A seu favor, os marroquinos têm o facto de já se terem candidatado pera 2026, concedendo boas garantias à FIFA. A experiência de elaboração do "dossier" é uma mais-valia que pode ser aproveitada pelos seus parceiros ibéricos, cujas últimas organizações de grandes competições futebolísticas remontam a 1982 (Mundial em Espanha) e a 2004 (Europeu em Portugal).
Porém, os portugueses têm acumulado, ao longo dos últimos anos, um conjunto de eventos de dimensão global (final da Liga dos Campeões em 2014, Eurofestival da Canção em 2018, três edições da WebSummit, e já com a "final four" da Liga das Nações e a Supertaça Europeia previstas para os próximos dois anos).
Se juntarmos a proximidade geográfica entre as três capitais (Lisboa, Madrid e Rabat estão unidas num triângulo cujas ligações entre si não ultrapassam os 600 quilómetros), e o caráter inédito e muito significativo politicamente de uma organização envolvendo dois continentes, teremos reunidas boas razões para sustentar este "dossier" de candidatura.
Reino Unido e Irlanda também na corrida?
Entretanto, o esloveno Aleksander Ceferin, presidente da UEFA, já terá garantido, embora informalmente, o apoio do organismo a que preside a uma proposta do Reino Unido e da República da Irlanda, tentando fazer convergir todos os territórios das ilhas britânicas para um "regresso" do futebol ao seu "habitat” original. Ver-se-á, nos próximos meses, se há ou não capacidade para assumir essa intenção, e se as consequências do "Brexit" serão ou não um obstáculo intransponível.
Organização pesada, apesar do legado
Organizar uma fase final de Mundial com 48 países em competição tornar-se-á impraticável apenas para uma nação. O exemplo é dado pelo primeiro torneio em que o novo modelo será implementado: em 2026, haverá jogos em 23 cidades (17 dos EUA, três do Canadá e três do México), movimentando as seleções finalistas por todo um continente. Para lá das estruturas desportivas puras - estádios, zonas envolventes e centros certificados de treino e estágio para cada um dos "combinados" nacionais -, as redes de transportes aéreos e terrestres (fundamentais na mobilidade das equipas mas, sobretudo, de jornalistas e adeptos), e a capacitação das unidades de saúde são aspetos fulcrais dos cadernos de encargos da organização.
Sugere a FIFA que a grande maioria dos investimentos requeridos para uma organização global desta dimensão resulta no verdadeiro legado da competição para os países que a recebem, uma vez que são estes a lucrar com todas as beneficiações ou novas estruturas entretanto construídas. É uma verdade incontornável, do mesmo modo que o organismo gestor do futebol mundial surge, igualmente, como beneficiário em elevada escala: mais jogos significam incremento de horas de transmissão, aumento inopinado dos (já exorbitantes) preços dos direitos de difusão linear e digital e, por consequência, uma fortuna dificilmente contabilizável a entrar nos cofres da federação internacional. Uma "galinha dos ovos de ouro" que todos querem agarrar.
CONMEBOL sugere Mundial bienal
Talvez por isso Alejandro Dominguez tenha levado à discussão a alteração da periodicidade dos Mundiais de futebol: o presidente da confederação sul-americana prende que a prova se passe a realizar de dois em dois anos. Os argumentos são simples: maiores hipóteses para os países mais pequenos, competição aumentada e receitas permanentemente renovadas, maior abertura a nações emergentes.
Porém, a pretensão de Dominguez esbarra nos calendários já sobrecarregados, no elevado número médio de jogos que um futebolista profissional de nível médio ou elevado tem de realizar ao longo de cada temporada e na ambição da FIFA de passar a integrar, nas suas competições, um Mundial de clubes quadrienal e uma liga das nações de caráter global. Tem a palavra, agora, a "diplomacia do futebol".