Mário Macilau: Levar a fotografia às comunidades
12 de janeiro de 2019Mário Macilau quer levar a fotografia às comunidades e acabar com a percepção, ou realidade, de que a arte é só para as elites e de que o seu lugar é apenas a galeria.
Para isso, o fotógrafo moçambicano está a construir uma residência artística longe da metrópole Maputo, justamente para aproximar artistas e comunidades.
Quanto a parcerias com outros fotógrafos moçambicanos, Macilau diz que desistiu, pois há muita coisa que origina o seu fracasso, pelo que pode contar apenas com trabalho "a solo".
DW África: O que tens estado a fazer nos últimos tempos?
Mário Macilau (MM): Tenho estado a fazer quase o mesmo: trabalhar à medida em que vou pesquisando. E trabalhar para mim é muito consistente. Embora vá mudando com o tempo, vou tendo novas ideias em termos de temas e também porque para mim a fortografia, de uma forma geral, não é uma coisa estática. Então, tenho estado a aprender com o avanço da tecnologia, com a introdução da fotografia digital, tenho estado a trabalhar nisso. Isso criou alguma possibilidade de refletir sobre o que eu fiz, despertando algo em mim.
A maioria do projetos que fiz no passado era tão relevante que merecia uma continuação. Por mais que eu tenha feito um projeto há três anos, os temas continuam lá e sofreram as suas mudanças, evoluções e transformações. Eu também, como humano, tenho as minhas, à medida em que vou crescendo e aprendendo, vejo a vida de uma outra forma. Com isso, quero dizer que tenho estado a mexer nalguns projetos que não consigo largar - como o movimento religioso Mazione, estou a trabalhar nisso desde 2016.
DW África: Para além dessa recorrência de temáticas, alguma coisa mudou. O que é novo na tua temática?
MM: Como acabei de dizer, Moçambique está a mudar. E o que mais me chama a atenção é a preservação de valores culturais. Quando chegas a Maputo, vês na praia da Costa do Sol jovens que praticam essas crenças e rituais [maziones], mas quando te encontras com eles no escritório não querem que os reconheças. Para mim, isso tem a ver com o capitalismo, com a globalização que estamos a viver. Estamos a tentar fugir da nossa cultura para aceitar a cultura globalizada, algo que, a meu ver, não deveria existir. Nesse sentido, uso a fotografia como uma forma de incentivar e preservar esses valores culturais para que um dia sejam lembrados. Como se diz, a fotografia é a memória e o testemunho.
DW África: Tens projetos pessoais. Queres falar-nos de alguns deles?
MM: Esse é um dos projetos pessoais que vai resultar num livro que vai sair já em março e também estou a pesquisar outros temas em Moçambique.
DW África: E projetos que beneficiem moçambicanos, como, por exemplo, oficinas de fotografia?
MM: Já há alguns anos que tenho estado a tentar fazer em Moçambique e isso tem sido complicado devido ao nosso famoso coro, que são as condições e os interesses do Governo. Mesmo assim, não sou de culpar os outros e de parar, mas não é fácil. Tentei fazer muitas coisas, como o festival de fotografia, que nunca chegou a funcionar, tentei criar alguns prémios que não chegaram a funcionar e, neste momento, estou a afastar-me um pouco de algumas energias a nível local, criando projetos pessoalmente.
Estou a montar o meu centro de residência na Ponta de Ouro e tenho o objetivo de convidar artistas de fora e locais que possam criar projetos de modo a beneficiar a comunidade local e a educar a mesma comunidade para que ela também entenda sobre a arte, porque muitas vezes o artista cria projetos na comunidade e depois leva para uma galeria que está no centro da cidade e quem frequenta é a elite. E depois, quando criamos projetos, a comunidade não entende e reclamamos que a sociedade não entende nada.
DW África: Disseste que tiveste projetos que não funcionaram. Quais foram os entraves?
MM: Nesse projeto como fotógrafo quis convidar pessoas para participarem, porque ninguém pode fazer nada sozinho. Estava a andar tudo bem e as pessoas prometiam associar-se, mas, na prática, não o faziam. Aquelas que aceitaram participar depois sentiram um peso. porque não tinham nenhum retorno financeiro. porque não temos nenhum apoio ou parceria a nível local. Até havia parcerias, mas só ofereciam o espaço.
DW África: E que tipo de colaboração tens com o Ministério da Cultura?
MM: Não gosto muito de ser pessimista, mas isso não existe.
DW África: Não há nenhum tipo de aproximação? Não há fóruns específicos onde fotógráfos, por exemplo, se encontrem periodicamente com algum departamento para discutir o andamento do mundo da fotografia?
MM: Quanto ao Ministério da Cultura, não existe mesmo nada, pelo que sei. Também reconheço que é uma instituição política e administrativa, mas ela não funciona de modo a colaborar com artistas a nível local. E não é só ao nível do Ministério, tenho estado a expor muito pelo mundo fora e não existe nenhum interesse da embaixada de Moçambique em querer, pelo menos, ver a exposição de um moçambicano. Existiram apenas dois cônsules que foram muito simpáticos, como é o caso de Carlos dos Santos, na altura em Londres e agora nos Estados Unidos, que faz sempre visitas aos artistas e acomoda-os muito bem. Também há outro embaixador que está no Dubai. Em quinze anos de exposições no estrangeiro, devo dizer que nunca tive esse apoio do Governo.