Na Alemanha nasceu um centro inovador para assistir às vítimas de MGF
18 de setembro de 2013Na sua cama de hospital, Senait Demisse recorda o momento em que chegou a sua vez de ser excisada: a aldeia inteira tinha-se reunido para a cerimónia, havia comida e risos.
Senait lembra-se de ver duas das suas amigas serem mutiladas. Lembra-se do sangue e da sua tentativa desesperada de fugir: "Depois apanharam-me e não me lembro de nada."
E surge a inevitável pergunta do jornalista: "Mas deve ter sido extremamente doloroso…", mas Seinat não se lembra e explica: "Talvez tenha desmaiado. Não sei o que aconteceu depois disso."
Há alguns meses, a etíope, agora com 34 anos, ouviu falar do Centro Flor do Deserto, em Berlim, Alemanha, que oferece cirurgia reconstrutiva às vítimas de mutilação genital feminina.
Mulheres, tal como Demisse, cujos órgãos genitais foram removidos à força, e em muitos casos a ferida foi cosida, deixando apenas uma pequena abertura. Muitas sofrem de incontinência e infeções, bem como muita dor durante as relações sexuais e o parto.
Trabalho com as Vítimas
Demisse, que agora vive na Polónia, não pensou duas vezes quando decidiu fazer a operação: "Quero ser uma pessoa completa, sim. Quero de volta o que eles cortaram."
O médico Roland Scherer dirige o centro recém inaugurado - o primeiro do género, que combina assistências médica e psicológica gratuítas, bem como um programa de consciencialização apoiado pela Fundação Flor do Deserto, gerida pela modelo Somali Waris Dirie, também uma vítima de mutilação genital.
Scherer faz parte de um grupo cada vez maior de médicos que leva a cabo cirurgia reconstrutiva: "Não é uma operação fácil, porque as lesões foram causadas há muito tempo. Por isso há muito tecido cicatrizado. Obviamente, é um processo que implica um grande conhecimento."
Contudo, nem todos receberam treino adequado para uma operação de um cariz tão complicado, afirma Dan Mon O’Dey, da Universidade de Aachen: "Não imagina quantas pacientes operei e reconstruí que tinham sido tratadas anteriormente por outros médicos, especialmente ginecologistas, que não sabiam ao certo o que estavam a fazer, mas tentaram reparar os danos. As pacientes não deveriam sofrer desta forma!"
Vantagens do atendimento especializado
O’Dey acredita que a cirurgia reconstrutiva melhora a vida sexual das pacientes e ajuda-as a recuperarem um sentido de normalidade e auto-confiança.
Mas, se por um lado muitas mulheres estão dispostas a fazê-lo, o processo pode ser um passo demasiado grande para outras, inseridas em sociedades em que a mutilação genital feminina é um ritual de passagem à condição de “mulher”.
É o que explica Evelyn Brenda, uma ativista queniana residente na Alemanha e que também esteve presente na cerimónia de abertura do centro, em Berlim: "Precisamos fazer estas mulheres perceber que se trata de uma correção médica. Depois, elas estão dispostas a submeter-se à operação."
Mas a ativista queniana diz que "se pensarem: esta operação vai de alguma forma reduzir-me, tornar-me uma menina novamente, então, muitas preferem continuar tal como estão."
Senait Demisse não quer continuar a viver assim: "Quero deixar passar algum tempo e regressar ao meu país e ensiná-los... dizer-lhes. Quero salvar crianças, meninas pequenas também. E digo mesmo: quando alguém te corta, tens de chamar a polícia. E assim as crianças começam também a lutar contra isto."
Situação no mundo
A cada 11 segundos, os órgãos genitais de uma menina são removidos. Cortados com facas, lâminas ou tesouras. A prática, disseminada pelo continente africano e, numa escala menor, no Médio Oriente e na Ásia, é conhecida como Mutilação Genital Feminina (MGF). As vítimas, jovens, por vezes com 4 anos de idade, muitas vezes sofrem complicações e sofrimento para o resto da vida, especialmente durante as relações sexuais.
A Somália é um dos países mais afetados em todo o mundo pela MGF. Muitas vezes, aqui se usa a forma mais radical, em que os lábios genitais são removidos e a ferida é então cosida. Muitas somalís sofrem para o resto das suas vidas. Antes do nascimento de uma criança, a cicatriz da mãe mutilada deve ser cortada. De acordo com a organização NOVIB (organização holandesa para o desenvolvimento e a cooperação internacional) 1600 em cada 100.000 mulheres morrem no mundo durante o parto. Isto corresponde a cerca de 45 mulheres por dia.