"Nenhum país safou-se com um grupo de mercenários"
30 de março de 2021O docente da Universidade Eduardo Mondlane, Alberto Ferreira, não acredita que a contratação de mercenários para o combate aos terroristas instalados em Cabo Delgado estabilizará a província do norte de Moçambique. O "Estado Islâmico” declarou que controla a região de Palma após o ataque da semana passada, e analistas esperam uma reação pública do Governo moçambicano à ação audaz do grupo armado.
Ferreira, que também é deputado da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), disse que a aparente debilidade do exército moçambicano se deve à falta de "investimento sério, do ponto de vista bélico militar, para a proteção da soberania do país”. Nesta entrevista à DW África, Ferreira não poupou críticas também à elite moçambicana.
DW África: Como vê a situação do Estado moçambicano diante da instabilidade em Cabo Delgado?
Alberto Ferreira (AF): O Estado moçambicano agora encontra-se incapaz de responder [aos ataques], tanto do ponto de vista militar e logístico como da prestação de ajuda humanitária aos moçambicanos que se encontram em deslocação.
DW África: Moçambique tem debilidades militares e debilidades económicas. Agora, paga-se caro por isso.
AF: Moçambique já em si é um país bastante pobre. Quer dizer, não tem a capacidade militar. É preciso ver que, depois da guerra com a RENAMO, a paz que se iniciou em 1992 fez com que o exército fosse reduzido à metade. Não houve um investimento muito sério do ponto de vista bélico-militar para a proteção da soberania de Moçambique. O país ficou desprotegido depois da Guerra dos 16 anos com a RENAMO. E ficou desprotegido também por causa da má capacidade de gestão, da roubalheira e corrupção difundidas. Depois da descoberta do gás, a elite moçambicana entrou num conflito entre si para saber quem vai fornecer bens e serviços aos megaprojetos que estão lá em Cabo Delgado.
DW África: Há contratos com grupos privados de segurança, com grupos de mercenários. Vê corrupção no meio disto tudo?
AF: Eu não posso citar publicamente os nomes, mas todo o Moçambique sabe que os dinheiros caem diretamente nas contas pessoais. Esta guerra não foi provocada pelos moçambicanos da elite moçambicana. Mas a elite moçambicana se aproveita dessa situação para enriquecimento, como se aproveita de pandemias, de catástrofes naturais. E agora tem a possibilidade de fazer contratos escondidos de milhões de dólares. Nenhum país no mundo já se libertou, já se safou de uma catástrofe de matriz islâmica com um grupo de mercenários que está ali a enganar o povo.
DW África: Acha que o país precisa de apoio internacional para travar a progressão de grupos armados em Cabo Delgado?
AF: Muitos são os países que estão a oferecer ajuda. Os Estados Unidos, que têm uma larga experiência [acumulada] ao longo do tempo com o terrorismo islâmico, oferecem-se a dar uma mão a Moçambique, mas Moçambique diz não. Portugal [também], porque sempre se considerou como um país irmão.
DW África: Os islamistas aproveitam-se da pobreza generalizada, sobretudo nas províncias do norte de Moçambique, não é assim?
AF: O que se sabe é que a maior parte dos soldados que estão a ir à frente de fogo dos terroristas são moçambicanos. Eles são recrutados em Cabo Delgado, mas sobretudo em Nampula e no Niassa, e [esses grupos] se aproveitam do desemprego, que é muito grande. Há jovens que não fazem nada. E estes [radicais] islâmicos tem capacidade de pagá-los, como se fossem mercenários contra o seu próprio Estado. Nós aqui temos um salário de 50 dólares mensais [42 euros] mensais enquanto e eles dão imediatamente 80 mil dólares para causar este terror. Por causa disso, eles aceitam entrar neste terrorismo contra o próprio Estado moçambicano.