No mundo 222 milhões de mulheres ainda não usam contraceptivos
13 de julho de 2012Muitas adolescentes sonham em ter uma boneca nova, o vestido da moda, o sapato e o batom usados pela mãe... No entanto, existem meninas que já precisam lidar com problemas difíceis até para um adulto administrar. Mariana, nome fictício dado a uma jovem que tem apenas 16 anos, ficou grávida duas vezes e, por conta da pouca idade e da realidade em que vive, teve que passar por dois abortos. A história dela, junto com a de outras meninas e mulheres adultas, fazem parte de uma estatística perigosa: 222 milhões de mulheres, que vivem nos países em desenvolvimento, ainda não usam métodos de contracepção modernos para evitar a gravidez.
Este número diminuiu pouco desde 2008, quando a quantidade de mulheres que não usava contraceptivos chegava a 226 milhões, segundo uma pesquisa do Instituto Guttmacher e do Fundo das Nações Unidas para a População (FNUAP). O relatório aponta que 645 milhões de mulheres no mundo em idade reprodutiva, ou seja entre 15 a 49 anos, estão usando contraceptivos modernos, 42 milhões a mais do que em 2008. No entanto, cerca da metade do aumento é devido ao crescimento populacional e não ao aumento do uso de contraceptivos.
Aborto e doenças sexualmente transmissíveis na adolescência
Mariana, por exemplo, vive em Cabo Verde, na África, e não usou preservativo ou pílula para ter relações sexuais com o namorado. Foi assim que, aos 15 anos de idade, ficou grávida pela primeira vez.
Vivendo em meio a uma família desestruturada, ela não teve coragem de contar aos pais que carregava uma criança em seu ventre. Um único sentimento a dominou naquele momento. “Medo... Eu não queria contar, porque se as pessoas soubessem, começariam a falar. Tentei fazer aborto...."
Aflita, a pequena estava sozinha, sem saber o que fazer. Mesmo tendando disfarçar, Mariana não conseguiu esconder da mãe os sintomas da gravidez. “Minha mãe sabia. Senti vômitos, muitos vômitos... E foi assim que minha mãe descobriu.”
No momento em que soube, a mãe da jovem providenciou o aborto, prática considerada legal no país. No entanto, menos de seis meses depois, Mariana engravidou novamente. O caso foi denunciado a um Centro de apoio a crianças em situação de risco, onde, atualmente, ela recebe acompanhamento profissional.
Situações como esta são comuns em África. Pais e mães, geralmente, não têm qualquer diálogo com os filhos sobre maneiras de prevenir a gravidez e, por isso, optam pelo aborto. As próprias jovens optam pela interrupção da gravidez. Há ainda aquelas que querem ter o bebê, mas desistem de estudar ou não sabem o que fazer após o parto.
Planejamento familiar e orientação
A socióloga Telma Costa, que é coordenadora do projeto Vida Ativa, da Assistência Médica Internacional, uma Organização Não Governamental (ONG) portuguesa, ressalta que, muitas vezes, o exemplo vem de casa.
“São sempre casos sociais muito complexos, porque estamos falando da própria adolescente. Mas por trás da adolescente tem sempre uma família que, normalmente, vive em condições de baixo rendimento, têm um nível de escolaridade mais baixo. Elas próprias, na fase que descobrem a gravidez, deixam a escola. Portanto, vem de trás, da própria família, e elas acabam por reproduzir esse ciclo", explica Telma.
Fazer uso de contraceptivos para ter um planejamento familiar significaria a queda de dois terços do número de mulheres que acaba tendo uma gravidez indesejada. A quantidade declinaria de 80 para 26 milhões, segundo o relatório. Haveria ainda 26 milhões de abortos a menos, incluindo menos 16 milhões de procedimentos inseguros. E as mortes relacionadas à gravidez cairiam em 79 mil, sendo que a maior parte desta redução (48 mil) seria na África Subsaariana, a região com os mais altos níveis relacionados à mortalidade materna e à necessidade de contracepção não atendida.
Adolescentes morrem por conta de complicações
A ONG britânica Save the Children chegou a afirmar que era um "escândalo mundial" o fato de 50 mil adolescentes morrerem, anualmente, devido a complicações na gravidez e no parto. A ONG chama a atenção para a questão do planejamento familiar, como conta o porta-voz da organização, Conor O'Loughlin.
"No que diz respeito à falta de acesso ao planeamento familiar, que é a questão abordada neste relatório, a necessidade é maior em termos numéricos, em lugares como a Índia ou o Paquistão, mas isso acontece porque a população é maior. Em África, a necessidade relativa, ou seja, per capita, é maior em lugares como Uganda. Por exemplo, 41% de todas as mulheres do Uganda dizem que gostariam de ter acesso a servicos de planeamento familiar, mas não têm. O problema também é grave na África Ocidental. No Senegal, na Mauritânia e no Mali, cerca de um terço das mulheres querem adiar a sua próxima gravidez, mas não têm acesso a esse serviço."
Esse não foi o caso de Mariana. Ela tinha acesso aos contraceptivos, mas decidiu não usá-los. Depois da atitude tomada e de suas consequências, veio a lição. “Sinto-me melhor, mas não vou engravidar mais, porque ainda tenho pouca idade. Estou estudando...Senão a minha vida seria mais complicada no final e eu perderia tudo...”
E, desde então, a conversa com as amigas é outra. “Digo para não terem relações sexuais sem camisinha. Digo para usarem sempre, porque além de ser perigoso, podemos ter doenças e não só a gravidez.”
Os namorados não querem usar preservativo
Uma amiga de Mariana, chamada Fátima, nome também fictício, não seguiu os conselhos da colega e, ao invés de ficar grávida, teve doenças sexualmente transmissíveis por duas vezes. A adolescente, também de 16 anos, teve muitos namorados e, mesmo consciente de que o uso da camisinha era importante, não fez uso dela.
“Às vezes os meninos querem usar camisinha, às vezes não. Eu não acreditava que tinha uma doença. E agora estou tomando medicamentos. Eu estou com medo da minha mãe saber, mas ela não chegou a descobrir ainda.”
Fátima, agora, não quer mais ficar doente e quando perguntada se sabe os benefícios do uso do contraceptivo, responde imediatamente. “Livra das doenças, da gravidez. Agora estou usando.”
Para essas e para outras jovens que já passaram pela mesma situação, a socióloga Telma Costa dá um último conselho. Em caso de dúvidas, meninos e meninas devem procurar um Centro de Saúde mais próximo. E ela deixa ainda uma mensagem, para que os jovens reflitam.
“A principal mensagem para essas adolescentes é que elas vejam a possibilidade de uma escolha. Prevenir a gravidez é não nos limitar em termos de escolhas do futuro. Não condicionar o nosso futuro com uma uma gravidez indesejada. Se ela for desejada, muito bem, melhor ainda. Mas que exista essa possibilidade de nós planearmos a nossa vida e escolhermos quando engravidar”.
Autora: Melina Mantovani
Edição: António Rocha