O pesadelo dos clientes do maior banco estatal de Angola
26 de agosto de 2021A exemplo do que ocorre em outras capitais provinciais angolanas, as intermináveis filas no Banco de Poupança e Crédito (BPC) estão a massacrar os cidadãos da capital provincial do Moxico, Luena. Muitas vezes, os clientes esperam o dia inteiro, mas não são atendidos.
Por ser um banco estatal, todos os funcionários públicos são obrigados a receber os seus ordenados nas duas únicas agências do município. Para não esperarem em longas filas, os clientes acumulam o salário de três ou quatro meses para depois levantarem os mesmos faseadamente.
A aposentada Ana Glória, de 82 anos, revelou que, para conseguir a senha que permite o acesso ao balcão, é preciso pagar mil kwanzas (o equivalmente a 1,34 euro), o que configura uma prática irregular.
"Esses que recebem as senhas é que vendem, vendem cada senha por mil kwanzas. Você que recebe 23 mil kwanzas [equivalente a 30,71 euros] e tira lá mais mil ou dois mil kwanzas [equivalente a 1,34 ou 2,67 euros] para comprar a senha, quanto vai restar?" questiona.
"A pessoa acorda às 2 h da madrugada para ver se consegue senha. Passo duas ou três semanas, todos os dias a vir aqui mas não consigo nada", relata a aposentada.
Falta dinheiro em caixa
O BPC foi fundado em janeiro de 1956 e atualmente conta com 400 agências para atender mais de 2 milhões de clientes em todo o país. É uma empresa pública com filiais em todo o território nacional. A funcionária pública Adriana Bela critica os serviços incompletos prestados no atendimento ao público.
"Toda hora as pessoas vêm aqui, não tem dinheiro. De vez em quando, recebemos os talões e [quando] chega ali o dinheiro, acaba muito cedo," descreve.
"Que o Governo faça alguma coisa para nós porque o povo aqui no Luena está muito castigado", apela. "As pessoas chegam aqui zero hora, 2 h recebem aquelas senhas que não servem para nada", critica a funcionária pública.
"Orientação de Luanda"
O cenário é recorrente e verifica-se a cada final de mês, quando os clientes acampam e pernoitam ao redor das agências bancárias para o levantamento dos salários. Estêvão Manuel, responsável por uma agência do Banco de Poupança e Crédito em Luena, reconhece a situação.
"A situação que vivemos ao nível do BPC tem a ver com pouquíssimos valores que recebemos ao nível nacional, por orientação de Luanda. Infelizmente a escassez desses valores tem levado muita gente a fazer dois, três ou quatro dias para conseguir levantar os seus valores e nós temos a capacidade de apenas atender, por cliente, 50 mil kwanzas [ou 66,75 euros]. Se tivermos que atender um cliente com mais de 50 mil ou se tiver necessidade de levantar 200 mil ou 300 mil kwanzas [equivalente a 267 ou 400 euros], estaríamos a prejudicar um número de quatro ou cinco pessoas", explica.
"A outra questão tem a ver com o encerramento dos balcões nos municípios de Camanongue e Cangamba, motivo que nos leva a não atender a demanda dos clientes que têm afluído aos nossos balcões", conclui.
Fragilidade do sistema bancário
Em 2020, o Banco Nacional de Angola emitiu um comunicado dando a conhecer que cada cliente teria a faculdade de receber os seus ordenados onde quisesse. Até ao momento, no entanto, nada mudou. Os funcionários públicos continuam a ser obrigados a receber o salário exclusivamente pelo BPC. O economista Isidoro Cassemene defende a privatização do banco.
"O BPC é o bode expiatório da fragilidade do sistema bancário nacional, uma vez que os problemas que passa já remontam a mais 15 anos de passivo, 15 anos de resultados negativos. É um banco que tira mais dinheiro do Estado do que coloca", critica.
Para o economista, o banco "tornou-se um fardo muito pesado para a estrutura financeira do Estado, razão pela qual hoje somos unânimes em dizer que o BPC deveria passar para a esfera privada, porque na vertente pública tem sido um prejuízo para o Estado".
Segundo o relatório trimestral do Banco Nacional de Angola, o BPC lidera o ranking das reclamações dos clientes. Só no segundo trimestre de 2021, houve 163 reclamações. Movimentações indevidas nas contas dos clientes ocupam o primeiro lugar.
A DW solicitou uma entrevista com os responsáveis do Banco Nacional de Angola, mas não obteve respostas até ao momento da publicação desta reportagem.