"O quadro da imprensa continua monopartidário"
12 de dezembro de 2013Siona Casimiro nasceu a 12 de maio de 1944 em Matadi (hoje República Democrática do Congo), filho de pais angolanos, oriundos da província angolana do Zaire, que tinham emigrado para a região. A sua formação jornalística é efetuada em Paris e ele trabalha para diversos órgãos de comunicação fora e dentro de Angola. No exílio em Kinshasa (na altura Zaire, hoje República Democrática do Congo) fundou a organização dos jornalistas angolanos no exílio.
Depois da independência é incumbido pela organização da nova agência noticiosa ANGOP (Agência Angola Press).
DW África: Siona Casimiro, 40 anos depois do 25 de Abril em Portugal e depois do início do processo de independência, como olha para o seu país, Angola?
Siona Casimiro (SC): Com bastante esperança, apesar de alguma decepção em relação ao ritmo com que se pensava atingir os objetivos. Considero que há bastante atraso, mas estou muito confiante, muito esperançoso, que as coisas venham a mudar para melhor.
DW África: Viveu no exílio em Kinshasa, também em Brazzaville, formou-se em jornalismo em França, e já antes do 25 de Abril tinha intensos contactos com os diferentes movimentos de libertação…
SC: Eu era intimamente ligado aos movimentos de libertação. Na altura os mais importantes, os mais significativos, eram os MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) e a FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola). Eu tinha estreitos contactos e ligações com as lideranças tanto duma como da outra organização.
Depois da instalação do governo de transição em 1975, decidi que já era possível regressar a Angola. Então em fevereiro de 1975 chego a Luanda, vindo do Congo. Fico colocado no departamento de informação do partido MPLA e surge a ideia de se criar a agência noticiosa.
O presidente [do MPLA], Agostinho Neto, incumbiu-me de apresentar um projeto de criação da agência, a mim e ao colega Mena Abrantes, que tinha voltado da Alemanha. Nós os dois redigimos o projeto de criação duma agência noticiosa. E assim surge, um pouco antes da independência, a agência ANGOP.
DW África: Quais eram os seus sonhos na fase de transição?
SC: Era termos um país independente. Na altura o que nós queríamos também era ver um país socialista. Uma sociedade sem classes, com as forças trabalhadoras, a força operária, os campesinos, as forças antes marginalizadas a viverem melhor…
DW África: O que é que falta para que os angolanos sejam de facto independentes?
SC: A independência está consumada, penso que não haja mais ninguém que volte atrás. Mas é necessário melhorar a gestão da independência. Sabemos que existem ainda muitos problemas sociais, desafios reais que existem até hoje. Atualmente temos uma certa paz, mas é necessário relativizar isto, porque existem potenciais focos de clivagem. É preciso boas e inteligentes políticas para continuar a consolidar aquilo que se deseja a uma nação pacífica, ordeira e democrática.
DW África: Como acompanhou, como jornalista e como cidadão, o 27 de maio de 1977, os massacres dentro do MPLA?
SC: Eu vivi isso um pouco surpreendido, embora tivesse recebido nítidos sinais de que havia clivagens cada vez maiores no seio do movimento. O mais curioso é que eu ia relatar as lutas longe da capital e uma coisa que estava a decorrer a 200 metros de distância eu não relatei. É difícil encontrar hoje razões para tal.
Não imagina como eu fico hoje pensando nesse período! A única coisa que eu posso fazer hoje é lamentar e jurar que nunca mais seguirei esse modelo de jornalismo.
DW África: Na sequência do 25 de Abril conseguiu entrevistar muitos protagonistas, muitos líderes políticos…
SC: Assim que se deu o 25 de Abril entrevistei todos os grandes, inclusive a UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), que estava a despontar. Consegui, nomeadamente, uma grande e histórica entrevista com o Jonas Savimbi [líder da UNITA].
Essa entrevista ficou nas nossas memórias e era sempre lembrada quando nos encontrávamos. Entrevistei os outros também, inclusive o Mário Soares [líder do Partido Socialista português].
Quero salientar que como diretor da ANGOP tentei elaborar uma linha editorial já adaptada à era da liberalização. Isso gerou um conflito entre mim e o ministro da Comunicação Social.
Recordo que eu tinha sido muito influenciado, na altura, pelas reflexões que a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) fazia em torno da liberalização da informação. Eu tinha também sido muito influenciado pela declaração de Windhoek [da liberdade de imprensa].
O meu pensamento pessoal, em termos de filosofia de informação, tinha evoluído para um conceito liberal e eu era a favor da liberdade de imprensa e regozijei-me quando esses princípios foram integrados no quadro legal e na Constituição.
Mas uma coisa é certa: o estado da liberdade de imprensa, ainda hoje, não corresponde aos padrões desejados pela pluralidade da nossa sociedade. Somos uma sociedade plural, mas o quadro da imprensa no país continua monopartidário.
DW África: Quais são as principais lacunas do jornalismo que se faz hoje em Angola?
SC: Genericamente eu descreveria o problema da seguinte forma: temos um país plural, culturalmente, sociologicamente, politicamente. No entanto, só existe um único jornal diário. A grande lacuna é esta: a informação que temos não reflete ainda a realidade plural do país, a pluralidade sociológica, a pluralidade cultural, a pluralidade política.