1. Ir para o conteúdo
  2. Ir para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

O que ganha o Ruanda com a intervenção em Cabo Delgado?

António Cascais
19 de dezembro de 2022

A diplomacia ensina que não há "almoços grátis", diz o diretor do Centro de Jornalismo Investigativo de Moçambique, Luís Nhachote. E o Ruanda tem vários interesses na região de Cabo Delgado.

https://p.dw.com/p/4LBhx
Presidente moçambicano, Filipe Nyusi (dir.), e homólogo ruandês, Paul Kagame
Foto: Simon Wohlfahrt/AFP/Getty Images

A sociedade civil moçambicana pede mais transparência sobre a presença de militares ruandeses em Cabo Delgado, no norte do país. Analistas como Borges Nhamirre, do Centro de Integridade Pública (CIP), em Maputo, continuam a questionar quem financia a missão militar das forças ruandesas em Cabo Delgado.

O papel dos militares ruandeses no combate ao terrorismo tem sido reconhecido não só por Moçambique, como também a nível internacional, com destaque para os Estados Unidos e a União Europeia. No entanto, multiplicam-se os apelos para que Maputo seja mais transparente nesse processo e Kigali respeite os direitos humanos.

Recentemente, o chefe de Estado do Ruanda, Paul Kagame, citado pelos meios de comunicação do país, anunciou que está a enviar mais tropas para combater a insurgência armada em Cabo Delgado. O contingente inicial de mil militares e polícias já ultrapassou os 2.500.

A DW África falou com Luís Nhachote, diretor executivo do Centro de Jornalismo Investigativo de Moçambique, sobre a crescente influência do Ruanda em Moçambique.

Luis Filipe Nhachote Africaleaks
Luís Nhachote: "A questão da transparência é fundamental"Foto: Luis Nhachote

DW África: Que balanço faz do trabalho das forças ruandesas no norte de Moçambique?

Luís Nhachote: Do ponto de vista da ajuda, o apoio do Ruanda é bem visto. Mas o apoio é estratégico, porque abarca a questão de segurança, especificamente para o corredor onde vai se produzir o gás - basicamente pelos distritos de Mocímboa da Praia e Palma, é onde esta força está estacionada e a operar.

DW África: Observadores políticos, económicos e a sociedade civil defendem mais transparência. Partilha desta opinião?

LN: Absolutamente. A questão da transparência é fundamental por causa do interesse público. O país é dos moçambicanos, que têm o direito de saber o que está a acontecer. Recentemente foi noticiado que a União Europeia doará 20 milhões de euros ao Ruanda para apoiarem Cabo Delgado. [Mas] isso levanta muitas questões. Por exemplo, por que é que este dinheiro não é destinado para Moçambique? 

Polícia e soldado ruandeses junto ao projeto da Total em Moçambique, na província de Cabo Delgado, em setembro deste ano
Polícia e soldado ruandeses junto ao projeto da Total em Moçambique, na província de Cabo Delgado, em setembro deste anoFoto: Camille Laffont/AFP/Getty Images

DW África: Analistas como Borges Nhamirre, do Centro de Integridade Pública (CIP), perguntam, aliás, quem financia a missão militar das forças ruandesas em Cabo Delgado. O que se sabe sobre o assunto?

LN: No âmbito das minhas reportagens sobre Cabo Delgado, em 2021, lembro-me de ter perguntado isso ao Alto Comissariado do Ruanda em Moçambique. E disseram que estavam a financiar com os seus próprios recursos. Aliás, o próprio Presidente ruandês, Paul Kagame, numa entrevista difundida na televisão nacional, levantou essa questão, de que as pessoas estavam a perguntar como o Ruanda estava [em Moçambique] e se era dinheiro da Total. E, até mesmo, se a França estava financiar. E ele negava isso.

Mas essa suspeita existe, porque o principal interessado no gás em Cabo Delgado é a multinacional francesa Total. Todas as vezes que o presidente do conselho de administração da Total vem para Moçambique faz sempre uma escala em Kigali. O que é que ele vai lá fazer lá? Então, [isso explica] a suspeita de que este primeiro desdobramento das tropas, este primeiro envio, possa ter sido financiado pela França.

DW África: Se o Governo do Ruanda diz que suporta os próprios custos, fica a questão se há almoços grátis... 

Infografik Karte Mosambik Gasfelder PT

LN: A diplomacia já ensina que não existem "almoços grátis". Os ruandeses têm algo que estão a exportar - o seu complexo militar. Eles têm poder de fogo e um Exército muito melhor preparado se comparado, por exemplo, com outros países da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC).

Eles chegaram aqui "em grande estilo". E agora começam a surgir notícias da participação em empreendimentos económicos nessas zonas.

DW África: Haverá maneiras indiretas de compensar o esforço ruandês em Moçambique? Soube-se há dias, através do portal "Zitamar News" que uma empresa ruandesa ganhou um concurso público de 800 mil dólares norte-americanos para o reassentamento de cidadãos obrigados a abandonar as suas aldeias devido ao projeto de LNG (gás natural liquefeito)... Será que essa é uma forma de compensar os esforços ruandeses?

LN: Talvez sim. Mas notemos o seguinte. A RwandAir começou a voar para Maputo. Quem são as pessoas que estão a voar nestes aviões comerciais? É uma questão que fica no ar.

Além disso, nós sabemos que Moçambique tem fronteiras porosas. Além do gás, há muitos outros recursos em Cabo Delgado que podem ser facilmente exportados de forma a que ninguém os veja, como por exemplo os rubis. Toda aquela zona tem rubis não explorados.

As tropas ruandesas podem, naturalmente, com os meios que têm, como tanques e carros, meter pedras que valem milhões de dólares nos mercados internacionais. Ou até no mercado negro.