Guiné Equatorial: ONG pedem libertação de ativistas detidos
26 de outubro de 2022Anacleto Micha não faz parte de qualquer partido político. O ativista foi detido a 25 de setembro e está até hoje incomunicável na Esquadra Central da Polícia de Malabo, capital da Guiné Equatorial. O advogado, que esteve preso naquela cadeia conhecida como "Guantánamo" e foi depois transferido para a prisão Black Beach, na ilha de Bioko, foi detido por ter organizado diversos eventos contra a repressão do Governo liderado por Obiang Nguema e por ter denunciado as violações dos direitos humanos e a corrupção no país.
"O Anacleto foi também detido somente porque estava a ajudar [elementos] do partido 'Ciudadanos por la Innovación', que foi atacado pelas forças de segurança no seu quartel-general [na sua sede]", explica Lucas Olo Fernandes, da Transparência Internacional.
Organizações não-governamentais como a Transparência Internacional Portugal (TI-P) e a EG Justice exigem, em comunicado, a libertação de Anacleto Micha e de todos os outros presos sem acusação formada e sem acesso aos respetivos advogados.
Lucas Olo Fernandes, gestor do projeto APROFORT, financiado pela União Europeia, confirma as diversas violações aos direitos humanos: "Há ativistas detidos, que não têm formalmente acusações feitas contra eles. Mas estamos à espera que os advogados possam falar com eles, porque não tiveram acesso aos [seus] clientes. Esta é uma falha do sistema, porque a Constituição exige que as pessoas tenham, ao menos, acesso aos seus advogados", frisa.
Perseguição às vésperas das eleições
Além da prisão de Anacleto Micha, o comunicado refere que, a 13 de setembro, as forças de segurança prenderam o artista de hip-hop Leoncio Prisco Eco Mba, conhecido como "Adjoguening", que desde então permanece igualmente na prisão Black Beach, sem acesso ao seu advogado e impedido de contactar com familiares.
"A 16 de setembro", prossegue o comunicado, "a polícia prendeu os ativistas Luis Nzo Ondo, Pablo Angüe Angono e Claudio Nzé Ntutumu, que foram depois exibidos na televisão pública nacional acusados do planeamento de uma ação terrorista". O documento refere ainda que, "a 21 de setembro, a polícia prendeu também Salvador Bibang Esono e Emilio Ndong Biyogo, sob igual acusação".
"Porém", escrevem as ONG, "todos eles se mantêm incomunicáveis e até ao momento não foi formalizada qualquer acusação pelas autoridades equato-guineenses".
Lucas Olo Fernandes diz que este ambiente de perseguição está relacionado com as eleições gerais previstas para 20 de novembro. "O regime está a tentar calar todas aquelas vozes que podem dizer alguma coisa que não esteja na linha do sistema", acusa. Isto, apesar da aprovação da nova lei penal para a abolição da pena de morte e da lei anticorrupção, que os equato-guineenses julgavam serem avanços em direção a mudanças no país, adianta o ativista.
Críticas à CPLP
As ONG também estão a pressionar instituições com a União Europeia (UE), a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) para que todos os presos, ativistas e políticos, sejam libertados.
Ana Lúcia Sá, professora de Estudos Africanos no ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, não espera qualquer intervenção dos parlamentares da CPLP, que estiveram reunidos nestes últimos dois dias em Lisboa. Lembra, por exemplo, que a organização lusófona "nada disse" quando a Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau foi dissolvida.
A académica lamenta não haver qualquer ação por parte da comunidade internacional e da CPLP, em particular: "Tem havido ações de ONG e de grupos de ativistas ligados ao país, mas não há uma atitude formal de nenhum Estado da CPLP - de condenação, por um lado, e, por outro lado, de exigência de cumprimento das regras mais elementares do Estado democrático", afirma.
Ana Lúcia Sá questiona o papel da CPLP face aos sistemáticos atropelos aos direitos humanos e diz que os processos e diálogos a nível das instituições dos países membros não têm tido um alcance como poderia ser esperado: "Todo o processo de revisão do Código Penal da Guiné Equatorial é disso exemplo", acrescenta.
Neste clima de repressão constante, a analista fala ainda das várias operações que visam os imigrantes, principalmente os originários de países africanos radicados na Guiné Equatorial. "O rosto mais visível deste dispositivo de segurança tem sido o vice-presidente, Teodoro Nguema Obiang Mangue, que inclusive condecorou os polícias da segurança nacional que neutralizaram os militantes do 'Ciudadanos por la Innovación', que, segundo ele, é um partido ilegal e que não supõe qualquer perigo para o país", acusa.