Angola: Gestão da REA é "pouco transparente"
28 de dezembro de 2021O Governo angolano lançou a Reserva Estratégica Alimentar que visa regular o mercado e influenciar a baixa de preços dos produtos alimentares essenciais que integram a cesta básica.
A gestão do programa foi entregue à empresa GESCESTA, pertencente ao grupo Gemcorp, que já foi alvo de investigação por práticas pouco transparentes e que terão lesado o Estado angolano.
O Governo angolano espera que os preços dos principais produtos da cesta básica reduzam em até 5% para o consumidor final com o inícioda operacionalização da Reserva Estratégica Alimentar (REA), que integra 11 produtos alimentares essenciais.
João Malavindele, coordenador da Organização Não Governamental (ONG ) Omunga, defende que se trata de mais um caso que um grupo irá beneficiar do erário público.
DW África: Numa altura em que a fome e o preço elevado da cesta básica assombram as famílias angolanas, como olha para o programa lançado pelo Governo?
João Malavindele (JM): A questão da reserva estratégica é algo que sempre existiu desde o tempo colonial, porque Angola sempre teve a capacidade de produção.
Numa altura em que vivemos esta questão da seca e da fome, sobretudo no sul de Angola é, se calhar, uma oportunidade para colmatar essas insuficiências que existem a nível do país. Vai também ajudar o Estado, a partir de agora, a definir o kit da cesta básica, tendo em conta essa reserva e a produção nacional. Acho que é sempre bem-vindo, nós como cidadãos e ativistas temos a responsabilidade de fiscalizar e monitorar como é que essa estratégia alimentar vai ser implementada e gerida. Queremos ser otimistas e fazemos fé que isso realmente possa ajudar a combater o problema da fome que se vive no país.
DW África: Poderá ajudar também na monitorização do mercado e dos preços aplicados?
JM: Sim. É preciso que se crie mecanismos de fiscalização e de controlo. Por exemplo, relativamente a nível de regularização dos preços. Não sei até que ponto os empresários que trabalham neste setor alimentar podem sentir-se ameaçados com essa estratégia. Agora, resta saber se cidadãos diretamente vão ter acesso à esses produtos ou estrategicamente é o Estado que vai escolher os grandes empresários que vão ter acesso aos produtos a grosso para depois revender.
Portanto, há que controlar de maneira que haja um benefício direto para os cidadãos. Estamos a falar a nível de redução de preços compatíveis com aquilo que é o rendimento nacional. Há aqui um grande problema por ser um produto maioritariamente importado. É preciso que se crie também condições a nível local para que os grandes agricultores possam, através de alguns incentivos, contribuir para que haja uma produção nacional capaz de satisfazer a procura e a oferta a nível local.
DW África: A gestão da Reserva Estratégica Alimentar foi entregue à GESCESTA que pertence ao Gemcorp, grupo de gestão de investimentos cujos alguns dos seus negócios já lesaram o Estado angolano em milhões. Teme que o cenário possa se repetir?
JM: É aqui que entra mais uma vez a questão da transparência. A forma como foi feito o concurso público e a política da nova estratégia de combate à corrupção e nepotismo, parecem estar só nós discurso, mas na prática continuamos a repetir os mesmos erros. Fala-se que houve concurso público e tudo mais, mas chega a ser um processo não muito transparente. Mais uma vez, estamos a correr o risco de continuarmos a pôr o dinheiro a enriquecer uma minoria em detrimento de uma maioria. É mais um daqueles processos de vícios que não abonam aquilo que se tem propalado muito a questão da transparência e da boa governação. É mais um grupo que se vai beneficiar do que é o erário público. Parece que foi um concurso público que foi entregue de bandeja. Nós, como cidadãos, não chegamos a saber dos meandros e percursos de como é que se chegou a essa conclusão. Não temos informações.