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Guiné-Bissau: Simões Pereira diz que lhe retiraram segurança

8 de dezembro de 2023

Em exclusivo à DW, Domingos Simões Pereira diz que o Parlamento só não funciona porque está bloqueado por militares. O presidente da Assembleia denuncia ainda que lhe foi retirada a segurança e pede entendimento no país.

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Presidente da Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau, Domingos Simões Pereira
Foto: Iancuba Dansó/DW

O presidente da Assembleia Nacional Popular (ANP), Domingos Simões Pereira, diz que o Parlamento está bloqueado por militares, que estão a impedir a retoma dos trabalhos dos deputados.

Na segunda-feira (04.12), Umaro Sissoco Embaló dissolveu o Parlamento e anunciou o fim do Governo saído das eleições de junho passado, justificando a medida com uma "tentativa de golpe de Estado" no país. O golpe estaria a ser preparado pela Guarda Nacional, de acordo com o Presidente e o chefe das Forças Armadas, general Biague Na Ntan.

Simões Pereira considera que a decisão presidencial é "inconstitucional e sem efeito". Mas ainda não conseguiu reunir os deputados, porque as instalações da ANP estão ocupadas por "forças estranhas", após uma troca dos elementos de segurança que protegiam o edifício do Parlamento.

Em declarações exclusivas à DW, Simões Pereira avança que lhe foi retirada a segurança da força de manutenção da Paz da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), que protege figuras do Estado e instituições. Admite ainda convocar o povo guineense para protestos de rua contra o decreto presidencial da dissolução do Parlamento, que diz ser um "desrespeito" à vontade do povo, expressa nas urnas.

DW África: Há rumores em Bissau de que recebeu uma notificação para comparecer no Ministério Público. É verdade?

Domingos Simões Pereira (DSP): Não, eu não recebi nenhuma notificação. Não tenho nenhuma informação oficial a este respeito - têm sido só rumores e as notícias nas redes sociais e na imprensa, que também nos chegam ao conhecimento.

DW África: Disse que vai convocar uma sessão Parlamentar. Há condições para o Parlamento funcionar?

DSP: Estamos a exortar as Forças Armadas, que têm uma missão de garantir a soberania do país - e a soberania do país garante-se cumprindo as leis, nomeadamente a nossa Constituição - para que respeitem o direito de um órgão constitucional, como é a Assembleia Nacional Popular (ANP), de continuar o seu trabalho.

Nós deixamos muito claro: Não o é o decreto presidencial que está a impedir a Assembleia Nacional Popular de funcionar - porque esse decreto é inexistente - o que está a impedir, até este momento, é que as instalações da Assembleia Nacional Popular foram invadidas por forças estranhas que não estão sob a responsabilidade da ANP e que estão a impedir o seu normal funcionamento.

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Portanto, se [a sessão] não se consumar até à próxima segunda-feira (11.12), isso significa que estamos, de facto, como eu já havia dito, em presença de uma tentativa de alteração da ordem constitucional. Se for esse o caso, teremos de encontrar outros mecanismos para a prosseguir os trabalhos.

DW África: Qual é a sua condição de segurança neste momento? Mantém o mesmo corpo de segurança enquanto presidente da Assembleia? Ainda tem a proteção da força da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO)?

DSP: Não. O comandante da força militar da CEDEAO estacionada no país que veio aqui retirar as tropas disse-me que tinham recebido "ordens superiores", no dia em que o Presidente da República regressou ao país. Não tenho como provar que terá sido o Presidente da República, mas o comandante afirmou que recebeu essas "ordens superiores" para retirar os elementos estacionados na minha residência.

Da mesma forma, os elementos da segurança nacional que mantinham a segurança da minha residência também têm estado a ser pressionados no sentido de abandonarem o local. Portanto, a esse nível estou ao completo dispor das nossas entidades, do Governo e, neste caso, do Presidente da República.

DW África: Em declarações a um canal francês, o chefe de Estado acusa o Domingos Simões Pereira de querer dar um golpe de Estado…

DSP:  É muito triste. Eu penso que o próprio Presidente nesta altura estará arrependido de ter proferido essas declarações. O que devia acontecer era o Presidente da República exigir o apuramento dos factos a todas as instituições - à Assembleia Nacional Popular, aos tribunais, a ele próprio, ao Governo. Deveria juntar todos os elementos e, quando a comissão independente tivesse reunido tudo isso, deveria verificar se estamos em presença de um crime e mandar o Ministério Público instruir o processo. E se não estamos em presença de nenhum crime, foi uma encenação, informar o povo guineense e trazer à justiça as pessoas que ousaram brincar com a tranquilidade do povo guineense.

Agora, morreram algumas pessoas, por aquilo que foi dito. Chegar aqui e estar a proferir esse tipo de acusações de que há gente por detrás de um golpe de Estado... Desde logo, a grande maioria dos cidadãos guineenses que acompanhou o desenrolar de todo o processo - talvez por força de tudo aquilo que nós já vivemos - compreendem muito bem que é muito forçado a admitir que tivesse sido uma tentativa de golpe de Estado.

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Quando o Presidente diz que está na posse de provas - a verdade é que ele, para poder fazer as afirmações que fez, só podia ser na presença de provas - tinha de ter consciência de que mesmo um simples cidadão, quando tem provas da ocorrência de um crime, a sua apresentação não é subjetiva. É uma obrigação.

O Presidente voltou ao país no domingo passado (03.12), hoje é sexta-feira. Era tempo suficiente para tornar públicas as provas de que dispõe.

Mas não quero exceder-me. Eu penso que o povo guineense precisa de tranquilidade. Nós fomos a eleições em junho passado. É importante respeitar a escolha livremente feita pelo povo guineense, permitir que as instituições retomem a sua normalidade de governação, por parte dos partidos que formam a coligação vencedora das eleições.

DW África: Enquanto líder da coligação que ganhou com maioria absoluta, pondera convocar o povo para protestos de rua?

DSP: É um direito que nos assiste. É um recurso válido em democracia, mas que nós entendemos ser um último recurso. Portanto, estamos a apelar ao Presidente, estamos a apelar às forças de defesa e de segurança e aos tribunais [para o cumprimento da ordem Constitucional]. Certamente que, esgotados estes apelos e estas instâncias de recurso, não teremos outra opção que não seja convocar o povo à rua,  para fazer valer a escolha que já fez de forma livre nas urnas.

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DW África: O que acha da atuação da comunidade Internacional, em particular da CEDEAO?

DSP:  Eu penso que a CEDEAO tem uma derradeira oportunidade, uma oportunidade soberana neste final de semana. Julgo que, no domingo, haverá uma cimeira extraordinária dos chefes de Estado e de Governo da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) para, de facto, chamar os países-membros ao respeito da ordem constitucional e, no caso da Guiné-Bissau, à restauração da normalidade constitucional.

DW África: O Presidente guineense prometeu formar um novo Governo até à próxima semana. O que lhe parece esta decisão?

DSP:  Seria mais uma fuga para a frente. Seria continuar a pisar a Constituição e as leis do país. Isso seria convocar o país para uma situação de caos. É por isso que estamos a renovar o nosso apelo, para que não seja esse o caminho a seguir, para que haja um entendimento e que se permita realmente respeitar a Constituição da República.

DW África: É possível destituir o Presidente através do Supremo Tribunal, por ter violado a Constituição?

DSP: Absolutamente. O Presidente sabe que, quando comete crimes durante o exercício do seu mandato - e a confirmar-se que o Presidente persiste nessas decisões, estará voluntariamente, conscientemente a pisar a Constituição - a nossa Constituição prevê mecanismos para lançar um processo de destituição. Não é algo que nós estamos a considerar neste momento. Devem estar previstas eleições [presidenciais] o mais tardar no decorrer do próximo ano 2024, portanto, não há necessidade de estarmos a criar uma situação de interrupção, deixemos o Governo funcionar, deixemos a Assembleia Nacional Popular retomar o seu funcionamento normal. Marquemos as eleições [presidenciais] com a normalidade que se impõe e deixemos que o povo guineense escolha quem é o legítimo representante das suas aspirações.

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