Os interesses da Turquia em África
2 de junho de 2016Recep Tayyip Erdogan faz-se acompanhar de uma delegação composta por dezenas de empresários, dispostos a explorar todas as possibilidades de expansão dos negócios da Turquia. No Uganda, esta quarta-feira (01.06), Erdogan foi recebido pelo homólogo Yoweri Museveni, num encontro com um significado histórico: Esta é a primeira visita oficial de um Presidente turco ao Uganda.
"Atribuímos grande importância ao desenvolvimento das nossas relações com o Uganda em todas as áreas", afirmou Erdogan, citado pelo site da Presidência turca, ao receber o doutoramento "honoris causa" pela Universidade de Makarere, em Kampala. "Acompanhamos o despertar e a ascensão gradual de África para o patamar que merece pelo menos com tanta esperança e entusiasmo quanto os nossos irmãos e irmãs africanos."
Mais do que interesses económicos
O envolvimento turco em África não é novo, lembra Christian Johannes Henrich, diretor do Centro de Pesquisa do Sudeste da Europa e do Cáucaso, em Siegen, na Alemanha. Por outro lado, o analista sublinha que os objetivos turcos mudaram desde demonstrações de interesse anteriores, no final dos anos 90.
"Já havia uma agenda africana, que não foi totalmente implementada devido a problemas internos na Turquia. Reconheceu-se que África era muito importante do ponto de vista económico, diz Henrich.
Estas ideias terão depois sido retomadas por Erdogan, embora com uma diferença crucial em relação aos seus antecessores. "Agora, há mais do que ambições económicas. Há uma concentração forte nos países africanos de religião ou população sunita." Segundo o analista, o Uganda e o Quénia, com uma população islâmica sunita em crescimento, encaixam nos atuais interesses da Turquia no continente.
Também o diretor da Fundação Heinrich Böll em Istambul, Kristian Brakel, está convencido das intenções religiosas de Erdogan em África: "Um país destacado repetidamente por Erdogan é a Somália e há claramente uma agenda religiosa. A retórica é simples: Erdogan diz 'o Ocidente abandonou-vos, e agora aparece a Turquia, que pode ajudar'. Podemos desenvolver este país, porque somos muçulmanos e percebemo-lo melhor."
Afirmação mundial
Em concorrência direta com países como o Brasil, a Índia e a China na ofensiva externa no continente africano, a Turquia, consideram os analistas, está mais interessada na afirmação global do que propriamente nas matérias-primas africanas. Esta busca de Erdogan e do Executivo do seu partido, o AKP, por um papel mais ativo nos assuntos mundiais é uma política muitas vezes interpretada de forma crítica como "neo-otomanismo".
"Muitos observadores estão preocupados com a possibilidade de a Turquia querer exercer no antigo território otomano e em África uma função de 'protecção moral'", diz Christian Johannes Henrich." Na minha opinião, a Turquia quer alcançar uma posição de hegemonia em cada região. Vemos isso em Israel, no Irão, na Síria. E agora foca-se em África. Mas não acredito que a Turquia surja como colonial ou feudal."
Direitos humanos não abordados
Erdogan enfrenta vozes críticas e satíricas com processos judiciais e é acusado de autoritarismo pelos seus opositores, dentro e fora do país.
"Acho que Yoweri Museveni não deve temer que Erdogan chegue e diga 'olhe, a imprensa aqui é demasiado livre' ou, pelo contrário, 'acho que poderiam ser um pouco mais liberais e com mais direitos civis'", opina Kristian Brakel, da Fundação Heinrich Böll. "A Turquia não está interessada, à partida, na exportação de valores positivos ou negativos."
O caricaturista queniano Gado desenhou Erdogan a chegar ao Uganda com "presentes da Turquia", apontando para as liberdades, a sociedade civil, opositores e jornalistas esmagados nas turbinas do seu avião.
Nos últimos anos, a Turquia já deu, porém, alguns passos no sentido reforçar a presença no continente africano: desde 2002, as embaixadas turcas em África duplicaram, para vinte. Quinze estão em países na África subsaariana. No mesmo período, aumentou seis vezes o volume de trocas comerciais entre a Turquia e os países africanos.