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Pacto de asilo entre Reino Unido e Ruanda gera críticas

Chrispin Mwakideu
26 de abril de 2022

Grupos de defesa dos direitos humanos e a ONU classificam o pacto entre Kigali e Londres como "antiético". Mas o Ruanda tenta justificar o controverso acordo de realojar os requerentes de asilo do Reino Unido.

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Ministra do Interior do Reino Unido, Priti Patel, e o ministro dos Negócios Estrangeiros do Ruanda, Vincent Birut, durante a formalização do pacto em Kigali Foto: Simon Wohlfahrt/AFP/Getty Images

O clérigo mais antigo da Igreja de Inglaterra, o arcebispo Justin Welby, tornou-se o mais novo crítico de alto nível dos planos do primeiro-ministro britânico Boris Johnson de enviar requerentes de asilo para o Ruanda. Embora reconheça que os detalhes do acordo ainda não tenham sido divulgados, Welby declarou que a transferência de requerentes de asilo para outro país traz à tona preocupações éticas significativas:

"Um país como a Grã-Bretanha, informado pelos valores cristãos, não pode subcontratar as nossas responsabilidades, mesmo a um país que procura fazer bem como o Ruanda", disse o arcebispo de Cantuária aos fiés durante um serviço dominical.

O Reino Unido e o Ruanda fizeram manchetes a 14 de abril quando anunciaram que os migrantes que chegassem irregularmente ao Reino Unido seriam enviados a cerca de 6.400 quilómetros de distância para o Ruanda. Ali, as autoridades ruandesas seriam responsáveis pelo processamento dos seus pedidos de asilo, e, se fossem bem sucedidos, seriam autorizados a permanecer no país.

Londres disse que iria contribuir com até 144 milhões de euros para o controverso pacto.

De acordo com o Governo britânico, a ideia dissuadirá os indivíduos de tentarem a arriscada travessia do Canal da Mancha e porá as organizações de contrabando de pessoas fora do negócio.

Feierlichkeiten zum Tag der Streitkräfte in Mosambik
Grupos de direitos humanos acusam o Presidente Paul Kagame de suprimir as liberdades básicas no seu paísFoto: Estácio Valoi/DW

O papel do Ruanda

Os críticos dizem que o Presidente ruandês Paul Kagame está a tentar apresentar o seu país como um aliado do Ocidente.

O líder de 64 anos, há muito tempo acusado de várias violações dos direitos humanos e de silenciar a sua oposição política, tem um historial de tomar medidas que agradam aos Governos estrangeiros.

Kagame enviou milhares de tropas ruandesas para as zonas confinadas do continente, incluindo Moçambique, Somália, e a República Centro-Africana. Os observadores acreditam que os soldados ruandeses conseguiram fazer recuar uma insurreição islamista na província moçambicana de Cabo Delgado.

O acordo de asilo do Reino Unido poderia ser visto como uma extensão da abordagem pró-ocidental de Kagame. O Presidente, contudo, defendeu o acordo, dizendo que não se tratava de "comercializar pessoas", mas que ofereceria uma oportunidade aos requerentes de asilo de começarem uma nova vida.

Grupos de direitos humanos chocados

As organizações de direitos humanos e as Nações Unidas expressaram a sua descrença em relação à proposta, criticando o plano nos termos mais duros.

"O facto é que o Ruanda tem um historial abismal de direitos humanos. Este é um país onde a liberdade de expressão não é respeitada", disse Lewis Mudge, diretor da Human Rights Watch para a África Central, à DW.

Uganda tem política de refugiados única

Em 2021, o Ruanda foi classificado em 156º lugar entre 180 países no Índice Mundial de Liberdade de Imprensa dos Repórteres Sem Fronteiras (RSF).

Mudge, que vivia no Ruanda, acrescentou que o país é um dos mais populosos do continente: "Não há muitas terras disponíveis. É difícil ver como poderiam levar dezenas e dezenas de milhares de pessoas".

Salientou ainda que não foi apenas a Human Rights Watch e outras organizações internacionais que chegaram a esta conclusão, mas que o Governo britânico partilhou a mesma avaliação ainda no ano passado: "Por isso, é uma verdadeira hipocrisia que de repente o primeiro-ministro britânico possa ir em frente e dizer que este [Ruanda] é um dos países mais seguros do mundo quando isto contradiz a posição do seu próprio Governo".

A agência das Nações Unidas para os refugiados ACNUR distanciou-se do acordo bilateral, dizendo que não estava envolvida no processo. Numa declaração publicada no seu sítio na internet, Gillian Triggs, Alto Comissário Adjunto para a Proteção do ACNUR, afirmou que a agência "continua a opor-se firmemente aos acordos que procuram transferir refugiados e requerentes de asilo para países terceiros, na ausência de salvaguardas e normas suficientes".

Poderia o Ruanda lidar com um fluxo de refugiados - e como?

No ano passado, o Ruanda ofereceu asilo temporário aos afegãos que fugiam da tomada do poder pelos talibãs. Além disso, a nação sem litoral da África Oriental acolheu centenas de refugiados africanos encalhados na Líbia. De acordo com o ACNUR, o Ruanda tinha 127.163 refugiados e requerentes de asilo no país em setembro de 2021.

Contudo, há preocupações sobre a capacidade do Ruanda para acolher mais requerentes de asilo. Medindo apenas 26.338 quilómetros quadrados, a nação é o quarto país mais pequeno de África.

Flüchtlingspolitik von Großbritannien
Ativistas têm levantado preocupações sobre os direitos dos refugiados no acordo entre Kigali e LondresFoto: Muhizi Olivier/AP/picture alliance

Esta é apenas uma das razões pelas quais os partidos de oposição ruandeses apelidaram o acordo de "irrealista e insustentável", apelando ao Governo para que se concentre mais na resolução dos problemas do próprio país.

Mudge diz estar também preocupado com o facto de o acordo e o seu processo de verificação dos requerentes de asilo permanecerem envoltos em segredo: "Vai ser muito difícil para nós, no exterior do Ruanda, saber como é que isso está a correr, porque estes refugiados não vão sentir que podem falar abertamente contra qualquer tipo de política".

Por agora, o Ruanda e o Reino Unido parecem não se deixar intimidar por qualquer crítica e prometeram iniciar o processo de finalização do acordo nas próximas semanas.

Os outros acordos de migração do Ruanda

Acima de tudo, permanece a questão de saber se os migrantes que são enviados para o Ruanda optarão por lá permanecer. De acordo com Mudge, "o Ruanda tem participado em outros tipos de acordos com outros países, nomeadamente Israel".

Na sequência do anúncio do acordo Reino Unido-Ruanda, a Dinamarca também informou o público de que está alegadamente em conversações com o Ruanda para um acordo semelhante. O ministro dinamarquês da imigração Mattias Tesfaye disse à Reuters que o "diálogo com o Governo ruandês inclui um mecanismo para a transferência dos requerentes de asilo".

Uma vez que a Dinamarca está na União Europeia, qualquer tentativa sem precedentes de contornar a legislação da UE poderia levar a graves consequências para todo o bloco.

DW tentou contactar o Ministério Ruandês de Gestão de Catástrofes e Assuntos dos Refugiados e o Gabinete Internacional de Migração no Ruanda, mas não recebeu qualquer resposta.

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