Políticos moçambicanos tiram vantagens para suas empresas
21 de setembro de 2012Os interesses de empresários que ocupam cargos públicos no governo de Moçambique têm sido privilegiados em uma série de concessões e parcerias aprovadas pelo Conselho de Ministros nos últimos quatro anos.
A denúncia é do Centro de Integridade Pública (CIP), fundado em 2005 para promover a transparência política em Moçambique. Uma base de dados de interesses empresariais no país mapeia a atuação de políticos no governo que têm interferido na economia nacional.
O documento enumera oito casos em que firmas registradas no nome de integrantes da alta hierarquia do governo e membros da FRELIMO foram beneficiadas. A Frente de Libertação de Moçambique governa o país desde a independência em 1975.
Privilégio para quem está no governo
Entre os favorecidos destaca-se a SPI Gestão e Investimentos. O conglomerado pertence aos deputados da Assembleia da República de Moçambique Teodoro Andrade Waty e Manuel Tomé, além do administrador do Instituto Nacional de Turismo, José Augusto Tomo Psico.
O responsável pelo levantamento no CIP, Milton Machel, dá destaque para a exploração de uma linha ferroviária e um porto em Techobanine, na província de Maputo. A sociedade Bela Vista Holdings, composta pela SPI, foi autorizada de se encarregar do empreendimento sem concurso no fim de 2011, quando a Lei das Parcerias Público-Privadas já estava em vigor, explica Machel.
"No caso da parceria público-privada que foi concessionada à Bela Vista Holdings S/A, que é um consórcio entre a SPI, a empresa pública CFM [Portos e Caminhos de Ferro de Moçambique] e a Salamanga Investimentos, é o caso que revela de forma mais clara que o poder político ignora a existência de determinadas leis", explica.
Beneficiada mais de uma vez
Em 2008, a SPI foi beneficiada em outra decisão do Conselho de Ministros. Nessa ocasião, ela aparece como acionista da empresa Afrodrill, contratada por adjudicação direta para executar obras que levariam água potável para zonas rurais de Moçambique.
Outros nomes do governo também detém ações da companhia, segundo Milton Machel. "A Afrodrill contém 80% da carteira de empreendimentos do governo, no que diz respeito aos furos de água nas zonas rurais. Também faz parte dessa empresa a Lindex, uma empresa do antigo ministro da Indústria e Comércio", conta.
Machel explica que na época em que foi dada essa concessão, António Fernandes ocupava o cargo de ministro da Indústria e Comércio e que por ser membro do Conselho de Ministros, participou na tomada de decisão sobre assuntos que beneficiariam os seus interesses como empresário, esclareceu o jornalista investigativo do CIP.
Para além disso, existe ainda outro caso envolvendo a SPI que não entrou no relatório, conta. "Em 2009 ou em 2010, a SPI ganhou o direito de vender um patrimônio que pertencia ao Banco de Moçambique, nomeadamente um edifício na África do Sul onde funcionava a representação do Ministério do Trabalho", relata Michel contando que na altura ainda fez um levantamento sem concluir como aconteceu todo o processo.
Atualmente, com a descoberta de grandes jazidas minerais em Moçambique, o estudo também demonstrou a criação de empresas de extração em nome dos mesmos políticos que já detinham outras companhias nos ramos mais rentáveis anteriormente. O setor energético também aparece no documento com três empresas recentemente abertas, como a Marrangue Engineering, comandada pelo ex-ministro dos Recursos Minerais, Castigo José Correia Langa.
O presidente está na lista
O nome do atual presidente de Moçambique, Armando Guebuza, é citado no relatório como detentor do conglomerado empresarial Focus 21, junto aos filhos. Atuante principalmente no setor de serviços, a Focus 21 aparece como interessada na atividade de casinos no país justamente quando a lei que facilita os negócios no ramo entra em processo de revisão.
O mapeamento do CIP mostra como novas empresas foram criadas por integrantes do governo para explorar setores de maiores rendimentos de acordo com a época.
Nos tempos em que a economia moçambicana girava em torno da pesca, no início dos anos 1990, tiveram destaque empresas como a Mavimbi, detida pelo atual presidente da República, Armando Guebuza, e já então ocupante de cargos de alta hierarquia no governo. Alguns anos depois, também a extração madeireira foi privilegiada segundo o CIP.
A reportagem da DW África entrou em contato com a FRELIMO, cujo líder é Armando Guebuza, mas não foi atendida. Para o Centro de Integridade Pública, os casos dificilmente serão investigados porque os responsáveis pela fiscalização também são indicados políticos do próprio governo envolvido nas denúncias.
Autora: Patrícia Álvares
Edição: Bettina Riffel / António Rocha