Moçambique: porque as mulheres são vulneráveis ao HIV/SIDA?
28 de julho de 2017Ela tem um parceiro sexual. O parceiro põe na mesa que ela terá um valor maior se tiver relações sexuais com ele sem preservativo. Uma situação comum entre muitas mulheres moçambicanas que se expõem às situações de risco e acabam contaminadas pelo vírus HIV/SIDA.
Por trás dessa atitude, está o medo de exigir do parceiro o uso de preservativos por causa da situação de dependência financeira à que muitas mulheres moçambicanas estão submetidas, explicam especialistas. "A mulher acaba aceitando o sexo sem segurança mesmo sabendo qual é o risco que corre nesta situação", explicou à DW a coordenadora do Conselho Nacional de Combate ao HIV/SIDA de Moçambique (CNCS), Ema Chuva.
Daí ser o empoderamento económico destas mulheres crucial para prevenção do contágio neste país. "Em relação à Moçambique, os fatores culturais põem a mulher em situação de inferioridade – a mulher raramente decide ou discute os aspetos relativos à sua sexualidade. O sexo tem que ser como e quando o parceiro queira", explica a coordenadora do CNCS.
De fato, entre 2009 e 2015, a prevalência do vírus HIV/SIDA em Moçambique subiu de 11,5% para 13,2%, de acordo com dados do Inquérito de Indicadores de Imunização, Malária e HIV/SIDA (IMASIDA) divulgados em março deste ano.
As mulheres estarão mais vulneráveis ao contágio, concorda o CNCS. Há cerca de 830 mil mulheres acima de 15 anos portadoras do vírus face ao número aproximado de 1,5 milhões de pessoas contaminadas, referem dados da organização UNAIDS – Moçambique.
"Moçambicanização " das mensagens
Diante deste cenário, o CNCS já alertou ser preciso adequar às diferentes realidades socioculturais do país as mensagens das campanhas de combate à transmissão pelo vírus HIV/SIDA. "Moçambique é um mosaico de culturas. Temos uma diversidade muito grande do norte ao sul do país. Se nós queremos que as nossas mensagens relativas ao HIV/ SIDA sejam percebidas nos vários cantos, é preciso que estas sejam adequadas aos contextos locais", explicou a coordenadora da referida instituição.
Em Moçambique, 54% das pessoas portadoras do vírus estão em tratamento e 61% dos infetados têm conhecimento do seu estado, de acordo com o relatório do programa da ONU para o combate à doença (ONUSIDA) divulgado em julho deste ano.
Segundo o documento, o país está entre os sete países da África Oriental e Austral que concentram 50% das novas infeções que ocorreram entre 2010 e 2016 atingindo 790 mil neste período.
Por sua vez, o Governo de Moçambique "está comprometido" mas o financiamento "ainda não é suficiente", explicou Ema Chuva. Daí, segundo a mesma, a importância de apelar-se ao financiamento de organizações internacionais.
Riscos biológicos e crenças
Entretanto fatores biológicos são causas a tornar as mulheres mais suscetíveis ao contágio durante o ato sexual. "Biologicamente, a mucosa vaginal da mulher é mais extensa e no contacto o risco de infeção é muito maior para a mulher do que para um homem", explica a médica e membro da Associação Moçambicana de Obstetras e Ginecologistas (AMOG), Narcisa Osman.
Ela alerta para os riscos biológicos, que envolvem a formação do corpo da mulher, e que as tornam mais vulneráveis à contaminação durante ato sexual. Contudo, também destaca o papel das crenças, sem fundamento científico, que põem raparigas em riscos. "Temos a questão de base, da pobreza. Mas temos casos de jovens que são contaminadas por causa das crenças", explicou.
Isso porque alguns seropositivos acreditam que ao terem relações sexuais com mulheres virgens serão curados. Em muitos casos, esses homens "atuam de má fé", diz a médica, porque mesmo sabendo que estão infetados não se preocupam em usar preservativos. Um risco, sobretudo, para raparigas mais jovens.
Dados de 2015 do programa da ONU para o combate à SIDA (ONUSIDA) referem ainda que 39 mil pessoas morreram vítimas da doença e estavam registadas. Como órfãs de país que morreram em consequência da doença constam 590 mil crianças entre os zero e 17 anos.
Entretanto, especialistas permanecem otimistas. "Para ganharmos essa luta contra o HIV/SIDA não bastam ações do Ministério da Saúde. Precisamos de toda a comunidade e de toda a população com educação. Toda a gente tem de entender como se adquire a doença e também contribuir para a prevenção," concluiu a médica.