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Porque continua o MPLA na Internacional Socialista?

Nádia Issufo28 de maio de 2013

O analista Fernando Heitor não entende por que motivo o partido no poder em Angola ainda é aceite pela prestigiada organização, “que se pauta por princípios democráticos” e “pelo respeito pelos direitos humanos”.

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Foto: picture-alliance/ dpa

Alguns partidos que pertencem à Internacional Socialista (IS), como o Partido Social Democrata da Alemanha (SPD), um dos mais antigos partidos democráticos do mundo, sofreram uma metamorfose, perdendo algumas caraterísticas de esquerda. É o caso do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), o partido no poder em Angola. Ainda assim, estes e outros partidos continuam a fazer parte da IS.

O debate centra-se atualmente no estabelecimento de uma alternativa à Internacional Socialista, organização mundial fundada em 1951 que agrega partidos social-democratas, socialistas e trabalhistas. A proposta avançada pelo SPD, que este ano comemora 150 anos da sua fundação, é a Aliança Progressista, uma estrutura que acaba de nascer (22.05.2013) na cidade alemã de Leipzig e que pretende funcionar como complemento à IS, promovendo pontes com os socialistas de outros países do mundo além da Europa.

“O movimento progressista, democrático, social-democrata, socialista e trabalhista assenta num compromisso comum no sentido de uma maior defesa dos direitos humanos e de uma procura conjunta de liberdade, justiça, equidade social, sustentabilidade e solidariedade internacional”, lê-se no documento de apresentação da Aliança Progressista.

SPD 150 Jahre Festakt in Leipzig 23.05.2013
O nascimento da Aliança Progressista foi anunciado em Leipzig, durante as comemorações do 150º aniversário do SPDFoto: picture-alliance/dpa

Alguns analistas consideram que a criação desta nova estrutura pode significar a morte da Internacional Socialista, criticada por muitos por ter aceite na sua estrutura partidos de cunho totalitário, como o MPLA de José Eduardo dos Santos e outros movimentos de ditadores do norte de África como o do egípcio Hosni Mubarak e o do tunisino Ben Ali. Entre as vozes que apontavam o descrédito da Internacional Socialista incluía-se a do secretário-geral do SPD, Sigmar Gabriel.

A DW África entrevistou o analista Fernando Heitor, ex-vice-ministro das Finanças de Angola, a propósito da permanência do MPLA na Internacional Socialista.

DW África: Por que motivo o MPLA continua na Internacional Socialista?

Fernando Heitor
O analista Fernando Heitor não entende por que motivo o MPLA ainda faz parte da Interncional SocialistaFoto: DW/R. Krieger

Fernando Heitor (FH): E eu pergunto-me porque é que a Internacional Socialista, uma organização de grande prestígio, que se pauta por princípios democráticos, pelo respeito pelos direitos humanos, etc., aceita no seu seio partido políticos cuja prática diária não se compagina com estes princípios? Todos nós em Angola, e não só, sabemos que o próprio MPLA não tem democracia interna. Os órgãos diretivos do MPLA não são eleitos de acordo com os princípios que as democracias determinam. Não sei como é que as inscrições para essa organização internacional são feitas, não sei quais são os critérios e os requisitos.

DW África: Acha que isso se deve à força que o MPLA tem a nível económico e também a nível político?

FH: O MPLA está no poder há quase meio século. Se é isto que faz com que uma instituição seja integrada numa organização como a Internacional Socialista, então estamos entendidos. Eu acho que não são tais requisitos, económicos, financeiros ou de poder político – conseguido por fórmulas que nós todos sabemos ou desconfiamos – que se integram nessas instituições. Acho que se for assim, qualquer instituição, até mafiosa, contrabandista ou o que quer que seja, desde que tenha poder financeiro, e há muitas que têm, então integram-se nessas instituições.

Parece-me que enquanto organizações do tipo da Internacional Socialista são demasiado exigentes relativamente a partido políticos de países europeus, americanos, etc., deixam de exigir o mesmo grau de requisitos, deixam de ser tão exigentes, quando se trata de países africanos, desde que estejam no poder, desde que consigam pagar as suas cotas são, enfim, admitidos com palmadinhas nas costas. Há mais tolerância. Acho que em determinadas em matérias, como os direitos humanos e a democracia, não devia haver qualquer tipo de dúvida. Devia haver exigências iguais para todos.

Angola Wahlen 2012 Regierungspartei MPLA Wahlkampagne
"O MPLA está no poder há quase meio século", sublinha Fernando HeitorFoto: António Cascais/DW

DW África: Em Angola, a quem atribuiria agora as caraterísticas de esquerda, porque supostamente o MPLA agora não as tem?

FH: Não sei. É uma pergunta difícil. Vou ter que investigar. Mas devo dizer—lhe que a maior parte dos dirigentes dos partidos políticos nem sabe qual é a corrente que tem. Não sabe o que é esquerda, o que é centro. A partir das lideranças dos partidos políticos cuja maioria esmagadora nem sabe qual é o posicionamento, qual é o ideário político de um partido de esquerda, de um partido de centro, veja o que acontece no seio dos militantes.

DW África: E os jovens manifestantes?

FH: Não há não disso. Não é só em Angola, é em quase todo os países africanos. 

DW África: Acha que faz sentido que organizações de base socialista, de esquerda, como a Friedrich Ebert Stiftung (FES), continuem a trabalhar com Governos que sofreram metamorfoses?

FH: Eu conheço bem a Friedrich Ebert Stiftung. Trabalhei na FES como consultor e como formador durante muitos anos cá em Angola e devo dizer que instituições dessas fazem falta, independentemente do posicionamento ideológico ou da prática governativa do partido que estiver no poder. Essas instituições trazem sempre luzes, fazem formação, trabalham com os partido políticos, com a rede das mulheres. Fazem um trabalho muito importante. Lamento muito que a FES tenha sido encerrada cá em Angola. Estava, de facto, a desenvolver um trabalho muito importante quer com os partidos políticos quer com a sociedade civil em termos genéricos.

Porque continua o MPLA na Internacional Socialista?