Prisão de ex-chefe da Marinha da Guiné-Bissau pode ajudar a normalizar o país
9 de abril de 2013O ex-chefe da Marinha da Guiné-Bissau, Bubo Na Tchuto, foi detido na semana passada por agentes norte-americanos.
Na Tchuto era procurado por alegado envolvimento no tráfico internacional de droga. E, segundo as autoridades norte-americanas, estáenvolvido numa rede que utilizaria a Guiné-Bissaucomo "armazém" da droga sul-americana para, depois, a enviar para os Estados Unidos.
De acordo com um comunicado da agência norte-americana de combate ao tráfico de droga, uma parte das receitas da droga vendida nos Estados Unidos deveria reverter a favor das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (as FARC), que foram designadas como organizaçãoterrorista pelos Estados Unidos.
A DW África falou com o investigador do Instituto Português de Relações Internacionais, Bernardo Pires de Lima, sobre o assunto.
DW África: O que esta detenção pode trazer para a Guiné-Bissau?
Bernardo Pires de Lima (BPL): A questão está em saber se esta monitorização e prisão dos principais atores do tráfico de droga na Guiné-Bissau – e eventualmente numa região mais alargada – fica por aqui ou se é mais alastrada. Se for mais alastrada, é provável que possa incidir sobre os tentáculos interiores do regime, quer nas Forças Armadas, quer no sistema político e, com isso, digamos, fazer uma limpeza duradoura da situação interna da Guiné-Bissau e isso levar a que se possa normalizar o país.
Se a situação se ficar por aqui, for uma operação minimalista – embora a prisão incida sobre altos dirigentes dessa teia de tráfico de droga, pode ter consequências mais limitadas na situação interna do país. Portanto, depende da escala que isto levar. Agora, que se está aqui a dar um tiro de partida importante, não tenho dúvidas nenhumas.
DW África: Esta é uma detenção que é inédita até agora: apesar de vários alertas, ainda nenhuma figura poderosa tinha sido chamada a prestar contas. Esta detenção mostra uma certa mudança, a nível internacional, passando-se agora das palavras para os atos?
BPL: Eu não sei o alcance desse nível internacional que fala. O que eu vejo aqui é uma operação liderada quase em exclusivo pelos Estados Unidos, por uma questão de interesse nacional norte-americano. Ou seja, é de se ver que a origem do tráfico está nos fornecedores da América do Sul, que encontraram na costa ocidental africana – e, em particular, no Estado praticamente inexistente da Guiné-Bissau – uma plataforma de distribuição, quer para a África, quer para a Europa e, eventualmente, de regresso de estupefacientes ao território norte-americano.
A questão é que se nós podemos estar aqui face a um outro tiro de partida, que passa por uma coordenação de governos e agências anti-tráfico, quer de países da América Latina, dos EUA, de países europeus, e países que tenham interesse – nomeadamente países da costa ocidental africana que tenham interesse em estancar este financiamento das redes terroristas em África. Porque nós não estamos aqui a falar apenas de um tráfico de estupefacientes, estamos a falar aqui de uma fonte de alimentação das redes terroristas em África. Isto tem um impacto brutal na estabilidade destes estados, e também naquilo que são as relações de estabilidade e segurança entre os países africanos e nomeadamente a Europa do sul.
DW África: Acha que os EUA estão, agora, mais preocupados com o tráfico de drogas na África ocidental do que no passado?
BPL: Sim, absolutamente. O alerta da ligação entre redes terroristas e financiamento por via do tráfico de droga não é uma novidade para os EUA. Eles monitorizam isso à escala internacional. Estamos a falar da Ásia central, por exemplo, da zona do Cáucaso, neste momento de África – porque África também levanta aqui questões que se prendem com um momento africano de ascensão das economias, de alguma importância internacional de alguns países africanos... isto também tem interesse acrescido nos radares de Washington.
Portanto, interessa que exista estabilidade, e que passe a não existir uma linha direta entre o financiamento das redes terroristas através do tráfico de droga. A rede aqui é muito mais internacional, estou a crer que os EUA aqui têm mais – que os outros países não terão – para acompanhar tudo isto e para pôr em prática uma estancagem desta situação. Agora, vão precisar de apoios locais e regionais em África e eventualmente envolver o Brasil, a Argentina e outros países da América Latina com interesses na estabilidade e na segurança do Atlântico Sul, e países europeus.
Portanto, nós podemos ter aqui um novo foco de atenção, por exemplo, da Aliança Atlântica (ou NATO, Organização do Tratado do Atlântico Norte), que passe a olhar para o Atlântico Sul como também uma área prioritária da sua esfera de segurança, tal como olhou, nas últimas duas décadas, para o que aconteceu no Corno de África com a pirataria e com o Estado da Somália, que não era Estado nenhum. No fundo, a Guiné-Bissau pode ser na costa ocidental africana aquilo que a Somália foi na outra.