"Processo de transição guineense equivale a branqueamento do golpe de Estado", diz analista
19 de abril de 2012O Comando Militar guineense, que tem as rédeas do país desde o golpe militar de 12 de abril, refere, no documento, que a Constituição será respeitada parcialmente; declarou a Assembleia como “extinta”; e confirmou a destituição do Presidente interino e do governo.
No acordo, que contou com o apoio da oposição guineense, o Comando comprometeu-se a criar um Conselho Nacional de Transição que, alegadamente, vai gerir a o processo de "transição democrática" por um período máximo de dois anos.
A DW África falou com André Corsino Tolentino, ex-ministro da Educação de Cabo Verde e atual quadro da Fundação Amílcar Cabral, sobre a atual situação na Guiné-Bissau.
DW África: O Comando Militar guineense compromete-se, por um lado, a respeitar a Constituição. Por outro, extinguiu a Assembleia e destituiu o chefe de Estado e o governo. Parece-lhe contraditória a posição do Conselho Militar da Guiné-Bissau?
Corsino Tolentino: As contradições são muitas. Mas eu começaria por verificar que uma Constituição respeita-se ou viola-se. Portanto, não se respeita a 80% ou a 85% ou seja lá o que for.
Está-se perante uma violação flagrante da Constituição da República da Guiné-Bissau. Estamos perante um golpe de Estado apesar de não ter rosto nem ter nomes. É curioso verificar-se a existência de um golpe quase clandestino, tem apenas um porta-voz.
Há a neutralização de todos os órgãos constituídos com base no voto popular por uma tentativa de branqueamento do golpe militar através de partidos que têm todo o direito de opinar mas não têm o direito de governar porque não conseguiram, até hoje, a vitória através de eleição.
E eu creio que devíamos deixar, inclusivamente, de falar de um processo de transição que seria de branqueamento do golpe de Estado e, por conseguinte, seria frontalmente contra o princípio da tolerância zero ao golpe de força que prevalece na sub-região.
DW África: Que implicações acha que terá no país este acordo do Comando Militar com a oposição?
CT: Creio que reflete, de certo modo, o chamado recuo do comando militar perante a resistência nas próprias Forças Armadas que estão muito divididas relativamente ao golpe, à oportunidade e ao método que utilizou. Por um lado, portanto, verificou-se um enfraquecimento relativamente às expectativas dentro das próprias Forças Armadas.
Na sociedade guineense, em geral, é visível também a resistência (apesar do clima de medo) contra o golpe como método para resolver os problemas da Guiné-Bissau.
Portanto, creio que os próprios membros do Comando Militar já verificaram esta realidade e estão a tentar branquear o processo, fingindo transferir o processo aos civis. Eu creio que o próprio Comando Militar está a verificar essa necessidade e algumas vozes estão a recuar no sentido de, através do diálogo, tentar uma solução para reparar os danos provocados e repôr a Guiné-Bissau no caminho do Estado de direito e do progresso.
DW África: Que motivações acha que levaram os partidos da oposição a estarem em acordo com o comando militar na Guiné-Bissau?
CT: As motivações serão múltiplas. Mas eu creio que haverá uma espécie de uma vontade, às vezes romântica mas uma vontade genuína, de contribuir para a procura de uma saída da crise. Outros partidos estarão a tentar tirar proveito da situação para tentarem chegar mais rapidamente ao poder.
Mas há também o terceiro fator que é o elemento prestígio. Portanto, alguns estarão a tentar ocupar posições de prestígio, sempre dizendo que estão a agir em nome dos superiores interesses da nação, mas muitas vezes, apesar da retórica, o que predomina realmente é a procura do prestígio pessoal ou do do próprio partido.
DW África: Acredita que com a pressão da comunidade internacional o Comando Militar poderá recuar e optar pela via do diálogo para a resolução da crise na Guiné-Bissau?
CT: Eu acredito e não é só uma questão de fé, é uma questão de análise e de verificação de factos. Há problemas graves nas Forças Armadas, na gestão do próprio país, mas estas situações situações devem resolver-se pela via pacífica e pela via democrática.
Nesse movimento [autor do golpe de Estado], eu creio que estão a tomar consciência da gravidade da situação e da pressão interna. Mas eles [guineenses] devem ser ajudados pela comunidade internacional.
Este isolamento no interior do país e o isolamento do país no plano internacional são indicadores que, certamente, os próprios autores do golpe, mais inteligentes, mais formados estão a analisar e, seguramente, estão a tentar recuar.
Penso que vai ser indispensável a presença de uma força de imposição da paz e da segurança para todos para que os órgãos de soberania possam funcionar, para que os guineenses possam escolher os seus líderes e para que o país retome o caminho do desenvolvimento.
Autora: Glória Sousa
Edição: António Rocha