TPI descreve violações como crimes de guerra no Darfur
24 de maio de 2021A procuradoria do Tribunal Penal Internacional (TPI) entende que "a violação foi utilizada pelas milícias 'Janjaweed' como arma para aterrorizar e humilhar mulheres e raparigas".
A afirmação foi feita pela procuradora-chefe da organização sediada em Haia, nos Países Baixos, durante a audiência para a confirmação da acusação do Ali Muhammad Abd-al-Rahman, o primeiro suspeito sudanês a ser julgado no TPI.
Bensouda explicou esta segunda-feira (24.05) que os juízes irão ouvir testemunhos de vítimas diretas durante o julgamento e ler em voz alta um destes, recolhido pelos investigadores da procuradoria e que tem como protagonista uma mulher capturada por estas milícias em Bindisi, em agosto de 2003, noticia a agência espanhola Efe.
"Eles agarraram-me pela mão e atiraram-me ao chão. Um deles tinha uma faca, usou-a para cortar a minha saia e amarrou a minha perna direita a uma árvore com um cordão de plástico", citou Fatou Bensouda.
"Ele colocou aquela parte do corpo na minha vagina, eu gritei e outro miliciano veio com uma espada, que colocou na minha boca e disse que me cortaria se eu gritasse", acrescentou a procuradora-chefe do TPI.
Vítimas agora têm voz
Abd-al-Rahman, comandante das 'Janjaweed', estava sentado no banco dos reús com um casaco cinzento e uma gravata às riscas, tendo permanecido sentado e impassível durante o testemunho.
Bensouda sublinhou que "acusar aqueles que cometem crimes sexuais e violência de género e utilizam a violação como arma" é uma "questão de prioridade estratégica".
Um documento tornado público pelo gabinete da procuradoria lista outras testemunhas que presenciaram ataques destas milícias a civis de quatro aldeias na região.
É a primeira vez que um tribunal internacional dá voz às vítimas em Darfur, no ocidente do Sudão, onde grupos insurgentes recorreram às armas em 2003 em protesto contra a pobreza e marginalização do povo da região.
O conflito no Darfur, que começou em 2003 entre forças leais ao regime de al-Bashir, deposto em 2019, e rebeldes, resultou em cerca de 300.000 mortos e mais de 2,5 milhões de deslocados, na sua maioria nos primeiros anos dos confrontos, de acordo com as Nações Unidas.
O conflito foi remetido para o TPI pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas em 2005.
Acusações e mandados de captura
As milícias 'Janjaweed', aliadas do Governo de Cartum, fazem atualmente parte da estrutura das forças de segurança, apesar de serem acusadas pelas Nações Unidas e outras organizações de terem estado envolvidas em crimes de guerra e crimes contra a humanidade no Darfur.
Abd-al-Rahman entregou-se voluntariamente na República Centro-Africana em junho de 2020, um ano depois do afastamento do Governo de al-Bashir, enfrentando agora acusações de 31 crimes de guerra e crimes contra a humanidade, incluindo ataques diretos contra civis, homicídio, violação e deslocamento forçado de população.
O TPI emitiu também mandados de captura internacional para três outros líderes atualmente sob custódia das autoridades sudanesas: al-Bashir, o antigo ministro dos Assuntos Humanitários Ahmed Haroun e o antigo ministro da Defesa Abdulraheem Mohammed Hussein.
O Sudão não entregou nenhum dos três, embora al-Bashir se encontre na prisão por corrupção, devendo também ser julgado em breve por casos relacionados com a morte de manifestantes opositores em maio de 2019.