Professores ucranianos desafiam imposições da Rússia
10 de janeiro de 2024Pais e professores nas regiões da Ucrânia ocupadas pela Rússia estão a enfrentar intimidações e ameaças para adotarem a nova política educacional imposta pelo Governo russo. As novas regras forçam os professores a trabalhar em russo e a seguir um currículo escolar russo, que também inclui novos livros de história que justificam a atual guerra russa na Ucrânia.
O Presidente da Rússia, Vladimir Putin, iniciou a invasão em grande escala da Ucrânia a 24 de fevereiro de 2022. Em setembro, Moscovo declarou a anexação de quatro regiões ucranianas (Zaporíjia, Kherson, Donetsk e Luhansk), mesmo tendo apenas o controlo parcial dos territórios.
A invasão interrompeu a educação de milhares de alunos. Agora, as escolas no leste da Ucrânia tornaram-se mais um campo de batalha, desta vez pelos corações e mentes das crianças ucranianas.
"De manhã, o meu filho vai para a escola, onde somos obrigados a falar russo com os nossos alunos e a lecionar através de livros russos", conta uma professora ucraniana, que também é mãe de um jovem aluno de uma região ocupada. "À noite, damos aulas online em ucraniano e ensinamos-lhes as nossas coisas."
Questões de língua, história e identidade estão no cerne do conflito russo-ucraniano mesmo antes da invasão. Milhões de cidadãos da Ucrânia falam russo como língua materna. Após os protestos na Praça da Independência (Euromaidan), em 2014, Kiev aprovou leis que obrigam o uso mais amplo do ucraniano na vida pública, inclusive nas escolas, na televisão e entre os funcionários do setor público. Na altura, Moscovo acusou o Governo ucraniano de discriminar a minoria russófona.
Educação como propaganda
A eclosão da guerra em 2022 levou a direção a fechar a escola local, conta a professora ucraniana, que falou em anonimato. Durante quase um ano, as crianças assistiram a aulas online com base num currículo ucraniano. Em agosto de 2023, no entanto, soldados russos abordaram os professores e forçaram-nos, sob a mira das armas, a passar a usar o idioma russo, com livros didáticos e seguindo um currículo da Rússia.
"É difícil, nenhuma das crianças da nossa localidade fala russo, elas não entendem as aulas, especialmente nas classes iniciais. É por isso que ensinamos nesses locais como mera formalidade, e à noite, em casa, ensinamos em ucraniano", explica a professora. "Mas só quando há Internet, e muitas vezes ela é demasiado fraca para o ensino online ou não há nenhum sinal."
No seu relatório de dezembro de 2023, a ONG de defesa dos direitos humanos Amnistia Internacional acusou a Rússia de transformar a educação numa máquina de propaganda para a doutrinação infantil e de tentar "erradicar a cultura, o património e a identidade ucranianos".
"Nos territórios ocupados pela Rússia, a intimidação e coerção são uma realidade diária para famílias, crianças e professores. Ninguém está seguro sob a interminável campanha de terror da Rússia", afirma a pesquisadora Anna Wright, da Amnistia Internacional.
Atualmente, Moscovo controla cerca de 18% do território ucraniano, incluindo a península da Crimeia, anexada em 2014, de acordo com uma estimativa do Instituto para o Estudo da Guerra (ISW), dos Estados Unidos. Segundo a Amnistia Internacional, que cita o Ministério da Educação da Ucrânia, nas áreas ocupadas em dezembro de 2022 havia 918 unidades educacionais para crianças de 6 a 17 anos.
Nível maior de intimidação
Mesmo correndo riscos, alguns professores, alunos e pais começaram a "cavar buracos nos seus jardins para esconder laptops e telemóveis ou a esconder-se em sótãos ou em barracões antigos para captar o sinal de telemóvel" para as aulas online em ucraniano, de acordo com a Amnistia.
A organização também conversou com uma bibliotecária da escola que teve de marcar encontros secretos com alunos para lhes entregar livros. Segundo ela, patrulhas militares russas realizavam frequentemente buscas na sua localidade.
As autoridades russas também ameaçam tirar as crianças dos pais para garantir o cumprimento da lei. Essa não é uma ameaça vazia na Ucrânia devastada pela guerra, onde consta que milhares de crianças foram deportadas à força para a Rússia e Bielorrússia.
Uma mãe conta que se recusou a mandar o seu filho de 15 anos para a escola. Mais tarde foi confrontada por homens de uniformes russos que ameaçaram mandar o menino para um orfanato na Rússia se ele não começasse a frequentar as aulas.
De acordo com o relatório da Amnistia, ao retornar para a escola, o rapaz encontrou-a decorada com símbolos do Estado russo e guardada por homens armados, colocados à porta e no interior do prédio.
Escola online para regiões ocupadas
A ativista ucraniana Violeta Artemchuk relata que todos os sites usados para aulas online na Ucrânia foram bloqueados e só podem ser acedidos via VPN (virtual private network: rede particular virtual). "Os ocupantes estão a controlar de perto todos os dispositivos de crianças e pais para identificar quem ainda estuda em escolas ucranianas."
Além disso, os pais recebem promessas de vantagens, como atividades extra-curriculares gratuitas ou bilhetes para piscinas, se optarem por passaportes russos, conta Artemchuk, diretora da ONG Donbass-SOS, cujo objetivo é ajudar os civis nas zonas ocupadas.
A ativista Valentina Potapova, nascida na Crimeia e diretora da ONG Almenda, pede ao Governo da Ucrânia que crie uma escola online especificamente para as crianças dos territórios ocupados, permitindo-lhes estudar a língua e a história ucranianas.
Segundo Potapova, essa sugestão existe desde a ocupação da Crimeia, em 2014, e da criação de governos pró-russos ilegais nas regiões ucranianas de Donetsk e Luhansk. Entretanto, como Kiev nunca a adotou, uma geração inteira de crianças nos territórios ocupados acabou por ser prejudicada na última década, afirma.